Co-gestão das áreas protegidas: a demagogia e a incompetência de pôr a raposa a guardar o galinheiro – Fernando Santos Pessoa

A decisão do actual Ministério do Ambiente de entregar a co-gestão dos parques naturais às autarquias será o princípio do descalabro do Sistema Nacional das Áreas Protegidas.

Já aqui há uns dois meses, numa Carta Aberta em Defesa do Estuário do Tejo, um grupo de velhos ambientalistas e académicos apontava também o dedo à anunciada pretensão de entregar a co-gestão dos parques naturais às autarquias. Aí está ela agora, com pompa e circunstância, em jeito de propaganda eleitoral. Poderia pensar-se que o primeiro-ministro, assoberbado primeiro com a luta contra pandemia – que, admite-se, com altos e baixos, apesar de tudo, não tem corrido muito mal –​ e depois a presidência da UE, que também se desenrola em plano positivo, teria deixado alguns ministérios em roda livre, tais têm sido as asneiras colossais com que nos brindam quase semanalmente. Mas neste caso das políticas fundamentais de médio e longo prazo para a sustentabilidade do território, que são as agro-florestais e as ambientais, António Costa é pessoalmente responsável e não corrige a trajectória. Foi ele, quando era ministro da Administração Interna e com o apoio do ministro da Agricultura de então (um dos piores, se não o pior, ministro da Agricultura que já existiram em Portugal), que deu a primeira machadada nos serviços florestais — os calamitosos fogos florestais que se seguiram, tendo por fim como ex-líbris a destruição do pinhal de Leiria, são a melhor prova do fracasso dessa política. Hoje há menos fogos porque já há muito menos matas para arder, de resto nada mudou na orgânica do Estado nesses domínios.

Quando, há várias décadas, se iniciou a política de conservação como pilar fundamental da politica de ambiente, a pedra-de-toque foi a criação da grande Rede Nacional de Áreas Protegidas (AP), como os Parques Naturais e as Reservas Naturais, e a sua orgânica inspirou-se na experiência internacional dessa matéria e também na necessidade de ter um forte sentido pedagógico institucional, pois em Portugal não havia tradição de criar aquelas categorias de gestão do território.

Os grandes parques e as grandes reservas possuíam um director, um conselho geral e uma comissão científica.

O director era escolhido entre técnicos com especial sensibilidade para desempenhar o cargo, independentemente da sua filiação partidária: era o tempo em que, naquela democracia jovem, tudo parecia possível, sério e democrático. Mas quando as comissões concelhias e distritais dos principais partidos passaram a influenciar a escolha do director a favor dos seus boys, começou a ruir a eficácia e a independência das AP. Houve directores de grande categoria, e posso recordar Antunes Dias à frente das reservas naturais do estuário do Tejo e do Sado, Maia Barbosa à frente do Parque da Arrábida, no Alvão e em

Fernando Santos Pessoa

Arquitecto paisagista. Engenheiro silvicultor

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