O Plano de Acção para a Gestão Sustentável e Valorização do Sector Vitivinícola da Região Demarcada do Douro que o Governo aprovou em Conselho de Ministros a 28 de Agosto e que, a 29 de Agosto, foi alvo de reparos por parte do comissário europeu para a Agricultura e Alimentação, ainda não está definitivamente fechado com a Comissão Europeia. Fonte oficial do gabinete de Christophe Hansen revelou ao PÚBLICO que “alguns elementos” do plano estão ainda “sujeitos a novas reflexões no seio da Comissão”, que se mantém em “contacto estreito” com as autoridades portuguesas.
O gabinete do comissário europeu para a Agricultura e Alimentação confirma o envio de uma comunicação, assinada por Christophe Hansen, datada de 29 de Agosto, dirigida ao ministro da Agricultura de Portugal, José Manuel Fernandes, e cujo teor o PÚBLICO noticiou a 4 de Outubro. Uma carta recebida em Lisboa um dia depois da aprovação, em Conselho de Ministros, de um apoio para os viticultores do Douro, no valor de 0,50 euros por quilograma de uvas entregue para destilação, com uma dotação global de 15 milhões de euros, financiado através do Orçamento do Estado, com vista a mitigar os excedentes de vinho na região duriense.
“Confirmamos que a Comissão recebeu uma carta das autoridades portuguesas, datada de 23 de Julho, referente ao pedido de apoio ao Plano de Gestão Sustentável e Valorização do Sector Vitivinícola na Região Demarcada do Douro”, respondeu ao PÚBLICO fonte oficial do gabinete de Christophe Hansen, indicando que “a Comissão respondeu em 29 de Agosto com uma reacção preliminar ao Plano de Acção proposto”.
Nessa missiva, Hansen avisava Portugal que a atribuição de um apoio financeiro de 15 milhões de euros aos viticultores do Douro por cada quilo de uvas entregue para destilação, não só não era “eficaz”, como era contrário às normas europeias. E “relembrava” que qualquer intenção do Governo português de avançar para uma medida de destilação de crise com recurso a financiamento nacional carece de “aval” da Comissão Europeia, ao abrigo do artigo 216º do Regulamento da organização comum dos mercados dos produtos agrícolas (OCM).
Christophe Hansen foi muito claro. O plano para o Douro gizado pelo Governo “não pode ser financiado através da regra de minimis [ajudas de Estado] para os pagamentos nacionais”, uma vez que esta não se destina a financiar medidas de intervenção no mercado. Por outro lado, o pedido feito a Bruxelas para que autorizasse uma medida “mais urgente e de curto prazo” para pôr fim aos excedentes de vinho na região duriense também pode vir a ser recusado, porque Portugal já beneficiou excepcionalmente de um apoio de 15 milhões de euros da reserva agrícola europeia, em 2024, para destilação de crise.
Uma das soluções apontadas pela Comissão para reduzir os stocks de vinho na região duriense — contabilizados em 4,4 milhões de hectolitros, cerca de 280% da produção anual — passa pela “luta contra a fraude”, através da rotulagem e os controlos de autenticidade, e a “colheita em verde”.
O Ministério da Agricultura, que é tutelado por José Manuel Fernandes, reconhece a existência e o teor da carta recebida do comissário Christophe Hansen. E, entretanto, confirmou o número dos pedidos de apoio formulados pelos viticultores durienses até 25 de Setembro que o PÚBLICO revelara já em primeira mão.
Foram “submetidas 2.607 candidaturas”, que foram avaliadas pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) e das quais “foram aprovadas 2.046, que correspondem a 2.024 viticultores, num montante máximo de 3,6 milhões de euros”, ou seja, perfazendo apenas 24% do valor total — 15 milhões de euros — disponibilizado pelo Ministério das Finanças para financiar a destilação de excedentes.
Para que a verba remanescente (11,4 milhões de euros) não se perca, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) defendeu em meados de Outubro a sua utilização para “valorizar os stocks de vinho propriedade do Estado e libertar capacidade de armazenamento e a canalização dessa verba para a região demarcada do Douro”. Essa decisão, diz a CNA, também permitiria “amortecer o impacto da diminuição do quantitativo do benefício”, que, este ano, caiu para as 75 mil pipas (550 litros cada), menos 15 mil do que em 2024.
O problema é obter autorização de Bruxelas. É que, volvidos dois meses da aprovação pelo Governo do Plano de Acção para a Gestão Sustentável e Valorização do Sector Vitivinícola da Região Demarcada do Douro, o comissário europeu da Agricultura ainda não esclareceu se o apoio financeiro de 15 milhões de euros destinado aos viticultores do Douro, à razão de 0,50 euros por quilo de uvas entregue para destilação, tem o aval da Comissão Europeia e em que condições.
O PÚBLICO insistiu, sem sucesso, na última semana, junto do gabinete de Christophe Hansen para que este clarificasse se a verba de 15 milhões de euros, financiada pelo Orçamento do Estado português, está autorizada e quais os aspectos do plano de acção do Governo português para o Douro que carecem de “reflexão” no seio da Comissão. Fonte oficial de Bruxelas deixa apenas uma garantia. “Continuaremos em contacto estreito com as autoridades portuguesas.”
Questionado nos últimos dias pelo PÚBLICO sobre a informação obtida de Bruxelas, o Ministério da Agricultura recusou responder. A dia 3 de Outubro, fonte oficial do gabinete de José Manuel Fernandes garantia que o apoio aprovado pelo Governo para o Douro “foi concedido ao abrigo do regime de minimis e não carece de autorização prévia da Comissão Europeia”. A mesma fonte acrescentava ainda que “o apoio ao rendimento dos viticultores do Douro encontra-se garantido no quadro legal vigente”.