Como a cobra preta, as vinhas velhas também têm uma filosofia e os seus vinhos não são bem remunerados

A filosofia das vinhas velhas é outra, é uma filosofia de resistência, é viver de acordo com as suas possibilidades e não com os interesses do dono. Quando são boas, quando têm as castas certas, podem produzir vinhos extraordinários, cheios de riqueza e carácter.

As vinhas velhas são um assunto muito sério. São como a Humanidade: em teoria, é tudo bom, mas vai-se a ver e muitas delas não produzem nada de jeito. Dependem muito da forma como nascem, se o porta-enxerto é pouco ou muito resistente, pouco ou muito produtivo, se as castas são ou não adaptadas ao lugar. Dependem da educação e do trato que tiveram ao longo do tempo, porque, para chegarem a velhas, as vinhas têm de ser mimadas e bem alimentadas. Uma vinha velha não é uma vinha abandonada, como alguns pensam. Uma vinha só é velha porque teve boas fundações e foi tratada com esmero.

No Douro, uma vinha é considerada velha se tiver no mínimo 40 anos. Esta classificação, embora recente, está um pouco desajustada. Se é verdade que o tempo de vida útil de uma vinha definido pelo Ministério da Agricultura é de 25 anos, a forma como a enologia encara as vinhas velhas permite-nos considerar uma vinha de 40 anos como estando, digamos, na meia-idade. Um verdadeiro vinho de vinhas velhas tem que ter origem em videiras centenárias ou perto disso.

No Douro e não só ainda há muitas vinhas centenárias. Olhamos para as videiras e ficamos incrédulos como, na sua forma retorcida, com fendas por todos os lados, ainda se mantêm vivas. Algumas estão presas à vida apenas por um fiozinho de seiva. É extraordinário como chegaram até aqui e, ainda mais, como vão lutando pela sua sobrevivência. Como os humanos, vivem para deixar descendência. A partir de uma certa altura, vão reduzindo a sua capacidade reprodutiva e algumas, a dada altura, em anos mais exigentes, tornam-se inférteis. Exauridas, produzem apenas folhas, na esperança de ganhar um novo sopro de vida e, num ano melhor, poderem lançar nova criação.

Como a cobra-preta de São Tomé, as vinhas velhas também têm a sua filosofia. Um dia, numa tentativa de excursão todo-o-terreno pela floresta densa de São Tomé, onde há muitas cobras-pretas cujo veneno pode ser mortal, um guia local sossegou-me: “Cobra-preta tem uma filosofia. Não ataca inocente.” A filosofia das vinhas velhas é outra, é uma filosofia de resistência, é viver de acordo com as suas possibilidades e não com os interesses do dono. Quando são boas, quando têm as castas […]

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