Tal como muitos portugueses, acompanhei com gosto e com interesse o trabalho do escritor e a intervenção pública do Jornalista Miguel Sousa Tavares.
Apreciei sempre a sua independência e desassombro, bem como a sua coragem e inteligência, postas ao serviço das duas actividades que o transformaram numa muito conhecida figura pública. Tão conhecida, que o jornal de referência que ainda é o Expresso lhe concede e paga uma página inteira todas as semanas.
A minha consideração e simpatia pelo Miguel Sousa Tavares, que conheço pessoalmente, ainda que sem intimidade, nunca me impediu de discordar dele numa ou noutra das suas teses preferidas e recorrentes.
Apesar disso, até agora, essas discordâncias, quase sempre relacionadas com temas agrícolas, eram claramente compensadas por compartilhar com ele alguns dos seus vícios assumidos, designadamente o prazer de caçar.
Achei sempre que a sua visão sobre a agricultura portuguesa era manifestamente errada e completamente parada no tempo, porventura influenciada por opiniões de outros que sofreriam do mesmo mal.
Contudo, ao ler o seu artigo do Expresso de sábado passado (1 de Junho), sob o título “Olhando para trás”, passei da discordância ao estado de choque, a tal ponto, que perguntei a mim próprio se ele se teria “passado”.
É que o Dr. Sousa Tavares, a propósito de uma reflexão sobre os 25 anos da nossa adesão à então CEE, conseguiu dizer o seguinte: “e a agricultura, que então satisfazia mais de 50% das nossas necessidades de consumo interno, hoje satisfaz cerca de 20%, desde o momento em que Álvaro Barreto, ministro de Cavaco Silva, vendeu a agricultura a Bruxelas ao preço de época de 120 milhões de contos. Os trabalhadores rurais foram pagos para se reformarem antes de tempo; os proprietários para passarem a viver em set aside, os campos foram abandonados; o olival, um dos melhores da Europa, e mesmo a cortiça, onde éramos o primeiro exportador mundial, foram trocados por eucaliptos e urbanizações turísticas…….. Embasbacada, a pré-histórica indústria agro-alimentar, em que não se investiu um tostão, descobriu com os espanhóis e outros que também se podiam fazer conservas sem ser só de sardinha e atum, mas também de tomate, de vegetais, de frutas, de tudo o resto”.
A desatenção do Dr. Sousa Tavares é tão grande e o desconhecimento tão profundo que até aflige.
Apenas dois meses depois de o INE divulgar um estudo sobre o abastecimento alimentar que demonstra ser de 81% o grau de autossuficiência alimentar nacional*, vem o Dr. Sousa Tavares dizer que ele é de apenas 20%! Será que viu o número ao contrário? Será que tem alguma ideia sobre o que verdadeiramente se passa na agricultura? Será que deixámos de ser o maior produtor e exportador mundial de cortiça? Será que tínhamos antes um dos melhores olivais da Europa? Será que não se investiu um tostão na agro-indústria? E que aprendemos com os espanhóis a fazer conservas de tomate?
Meu Deus, tanto disparate seguido, até parte o coração.
Nem mesmo o vício da caça e o prazer de ler os seus livros, me irão fazer tão depressa esquecer, o que uma obsessão antiga, misturada com ódios particulares, podem fazer a um homem inteligente, que escreve com influência pública num jornal de referência.
Que pena que tenho de o ver a não ser capaz de conter os seus ímpetos no limites das suas qualidades, que o tornaram famoso aos olhos de tantos portugueses.
Armando Sevinate Pinto
(*) Nota do Editor:
INE: Grau de auto-suficiência alimentar nacional situa-se nos 81% – 2012
Os pressupostos para uma visão optimista da agricultura – Armando Sevinate Pinto