Como é possível que o fogo entre nas localidades?

Incêndios em Portugal

Entrevista SIC Notícias

Miguel Almeida, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, e Pedro Bingre do Amaral, professor de Engenharia Florestal do Politécnico de Coimbra, analisam a situação e apresentam justificações para o facto das chamas entrarem nas povoações.

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Dezenas de pessoas tiveram de ser retiradas e pelo menos cinco imóveis, incluindo habitações, foram atingidos pelas chamas em diferentes incêndios rurais que deflagraram desde domingo nas regiões Norte e Centro, segundo a Proteção Civil. Sobre a fatalidade de as chamas estarem a entrar nas povoações e destruir habitações, Miguel Almeida, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, explica que este “facto não é inédito e é causado sobretudo por focos secundários”.

“O fogo está a entrar mesmo no meio das povoações. Isto não é inédito e é causado sobretudo por focos secundários, ou seja, a libertação de partículas originadas por um determinado incêndio a alguma distância, portanto a montante e depois essas fagulhas, essas partículas incandescentes são trazidas pelo vento e, naturalmente, que podem cair na periferia da área edificada, mas também podem cair no centro dessa zona edificada”, esclarece o especialista.

Miguel Almeida lembra que o mesmo sucedeu no Funchal, em 2016, quando as casas arderam no meio da cidade, e em Coimbra, em 2005, onde também tivemos várias ignições no centro da cidade.

“Isso é perfeitamente normal e isto deve chamar a atenção às pessoas de que, por vezes, estas partículas podem viajar quilómetros arrastadas pelos ventos”, alerta. E recomenda: “Todas as pessoas devem estar muito atentas a qualquer eventual ignição que comece na nas suas casas ou nas casas vizinhas, porque efetivamente, independentemente de estarem na zona raiana da comunidade ou de estarem no interior da comunidade, pode surgir uma ignição”.

“Terrenos sem qualquer gestão”

Pedro Bingre do Amaral, professor de Engenharia Florestal do Politécnico de Coimbra, explica que nos últimos anos tivemos um misto de sorte com o clima e de maior cautela, particularmente na prevenção das ignições e na gestão do toda a Proteção Civil, o que contribuiu para evitar situações mais graves.

“Depois dos incêndios de 2017, muitas das zonas que estavam em risco de incêndio perderam o combustível (…) Esse combustível, no entanto, está a regenerar-se, a vegetação vai regenerando a sua ocupação, vai formando um coberto do estevo que forma o modelo de combustível mais perigoso”, refere Pedro Bingre do Amaral.

“Há também outro problema estrutural que nós vamos tendo que ainda não conseguimos resolver – as nossas paisagens. O nosso território florestal neste concelho que está neste momento a arder, Albergaria-a-Velha é mais um exemplo, com alguma construção dispersa e sobretudo, muito minifúndio e muito minifúndio por gerir. No nosso país temos uma situação em que cerca de 30 a 60% dos prédios rústicos estão em nome de defuntos (…) São terrenos sem qualquer gestão”, acrescenta.

“Eucaliptal plantado praticamente até confinar com aglomerados populacionais”

O especialista explica que nesses terrenos em que não há gestão, num clima mediterrânico como o nosso, o risco de incêndio vai necessariamente agravar-se.

“Esta região litoral é uma região com grande abandono dos campos agrícolas, em muitos casos, seguido pela florestação com eucalipto. Particularmente neste concelho (…) Se todo esse eucaliptal fosse bem gerido, como acaba por ser pelo menos aquela parte que está entregue à Associação de Produtores Florestais, o risco seria mitigado. Mas todos aqueles minifúndios onde não há qualquer gestão do eucaliptal, onde eucaliptal é invadido por Acácias, por bustos e por aí fora, vai causar riscos de incêndio consideráveis.

E sobretudo naquelas circunstâncias onde o eucaliptal é plantado praticamente até confinar com os aglomerados populacionais as faixas de gestão de combustível nem sempre são suficientes”, realça Pedro Bingre do Amaral.

Veja a reportagem na SIC Notícias.


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