O glifosato é um herbicida sistémico, usado para matar as ervas daninhas que competem com as culturas. É utilizado desde 1974, sob a marca Roundup, lançada pela empresa norte-americana Monsanto. A respetiva patente expirou no ano 2000, tento então surgido um elevado número de empresas a dedicarem-se ao fabrico do referido herbicida, se bem que as diferentes formulações comerciais de glifosato contenham distintos aditivos, nomeadamente diferentes surfactantes. Consequentemente, criou-se um mercado fortemente concorrencial, conducente ao abaixamento substancial do respetivo preço, sendo o herbicida mais utilizado no mundo. Entretanto, em 2018 a referida empresa Monsanto foi comprada pela alemã Bayer.
No entretanto, várias culturas foram geneticamente modificadas para serem tolerantes ao glifosato, com relevo para a soja RR (Roundup Ready), criada pela aludida Monsanto. Nestas circunstâncias, os agricultores podem usar o glifosato como um herbicida pós-emergente, matando apenas as ervas daninhas.
Esta inovação, que até conduziu à redução do uso de glifosato, implicou, contudo, o recurso à engenharia genética para alterar a soja, uma prática que não é aceite por diversos movimentos ambientalistas antitransgénicos. Então, a partir do cultivo da soja RR, o herbicida glifosato passou a ser fortemente condenado por razões de índole ideológica.
Ademais, em março de 2015, a Agência Internacional para a Pesquisa do Cancro – AIPC (entidade associada à Organização Mundial de Saúde – OMS) publicou um relatório em que o herbicida glifosato é classificado como (sic) «provavelmente carcinogénico para humanos (categoria 2A)», na qual se incluem também cabeleireiros e barbeiros.
Todavia, este relatório veio dar ânimo aos movimentos ambientalistas na sua luta contra o uso do glifosato, se bem que, logo em 12 de Novembro do mesmo ano, a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (AESA), confirmando a sua anterior avaliação e a avaliação realizada pela autoridade competente alemã, então na qualidade de relator para a renovação da autorização desta substância ativa, concluiu que o referido herbicida cumpria todos os requisitos de análise de risco para poder ser renovada a sua autorização. Igualmente a Agência Europeia das Substâncias Químicas, responsável pela classificação e rotulagem das substâncias químicas, confirmou a não classificação do glifosato como substância carcinogénica. De salientar que, a pedido da Comissão Europeia, foi também apreciado o supramencionado relatório elaborado pela AIPC, tendo sido verificado que esta não tinha considerado diversos estudos relevantes, razão por que tinha obtido conclusões diferentes. Cabe notar que a AIPC não separou a ação do glifosato da ação dos adjuvantes, tendo no entanto a EFSA verificado que um co-formulante presente em algumas formulações dos herbicidas comerciais poderia ter algum potencial cancerígeno, razão por que as autoridades competentes – entre nós, a Direção Geral de Alimentação e Veterinária – retiraram prontamente do mercado todos os herbicidas que continham na sua composição esse co-formulante.
De 9 a 13 de Maio de 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), promoveram em Geneva uma reunião sobre resíduos de pesticidas em alimentos, tendo concluído, nomeadamente, que é improvável que o glifosato apresente um risco carcinogénico para os humanos através da alimentação.
Mais recentemente, em 30/01/2020, após rever a literatura científica sobre o assunto, a entidade norte-americana denominada Environmental Protection Agency (EPA) – que tem por objetivo, designadamente, verificar se os produtos fitofarmacêuticos são seguros para a saúde humana e o ambiente, quando utilizados de acordo com as indicações do rótulo – considerou, uma vez mais, que (sic) «o glifosato não apresenta perigo para os humanos, apesar dos milhares de ações judiciais que atribuem o cancro ao Roundup». Na mesma data a EPA renovou a autorização para a comercialização do Roundup, agora propriedade da Bayer. Conforme já referido, atualmente há dezenas de fabricantes no mundo que sintetizam a molécula do mencionado herbicida e procedem à sua comercialização, usando, porém, diferentes adjuvantes.
Não obstante o que precede, todavia, após o supramencionado relatório publicado pela AIPC em 2015, e posteriormente não confirmado, nos EUA vários municípios restringiram ou baniram o uso do glifosato, o que não invalida, porém, que o País consuma mais de 1,8 Mt de glifosato por ano – o que corresponde a 19% do consumo mundial. Na UE as opiniões dos diferentes Estados dividem-se, sendo certo que os decisores políticos estão sob pressão dos movimentos ambientalistas e a sua posição dependerá, em grande parte, da influência que estes movimentos antitransgénicos consigam granjear junto da população que vota (a decisão final acabará, porventura, por ser essencialmente de índole política).
De assinalar que a China é um grande fabricante de glifosato (mais de 1 Mt), exportando 80% da produção.
Não havendo evidência científica que demonstre a perigosidade do glifosato, a sua rejeição por parte de alguns ambientalistas, conforme atrás referido, advém do facto de se ter recorrido à biologia molecular para criar culturas tolerantes ao citado herbicida (felizmente não tiveram idêntica reação quando recentemente se recorreu também à biologia molecular para desenvolver rapidamente vacinas contra a covid-19). Ora, os movimentos anti-OGM deveriam ter presente o que foi recordado pelo doutor António Coutinho, então diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência: a ocorrência de um acidente genético natural, mas muitíssimo improvável, deu origem a um triplo híbrido de gramíneas, que tornou muito mais rentável a cultura do trigo, vindo a dar origem às civilizações nascidas no Médio Oriente – acidente esse que torna o atual milho transgénico uma palidíssima imagem genética do referido fenómeno acidental.
Também conforme recentemente foi sublinhado por dois cientistas igualmente de renome (Duque & Barreto, 2021), não se conhece um estudo credível que identifique efeitos negativos dos OGMs na saúde humana e a recente tecnologia CRISP, que consegue modificar o genoma sem introdução de ADN exógeno, pode produzir variedades agrícolas que reduzem as necessidades em fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos.
Entretanto, alguns agricultores decidiram anunciar publicamente que não usam glifosato ou outro herbicida – para assim melhor promoverem os seus produtos (razão de índole publicitária). Recorrem então à mobilização do solo para arrancar as ervas daninhas, o que em termos ambientais é francamente desaconselhável, pois desse modo reduz-se o teor de matéria orgânica do solo (Carvalho & Marques, 2021) – importante sumidouro de carbono – e, portanto, vai-se contribuir para o aquecimento global e, assim, favorecer as alterações climáticas, além do impacto negativo de maior consumo de combustíveis fósseis.
Em suma: o herbicida glifosato continua a ser objeto de interesses diversos (ideológicos, políticos, publicitários) que não têm em conta a evidência científica e vão contra os interesses dos agricultores de todo o mundo, tornando-lhes mais difícil ou menos ecológico o controlo das ervas daninhas e, por conseguinte, em última análise, vão também afetar a população em geral.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.