Todos sabemos que a agricultura portuguesa está envelhecida. As estatísticas e um olhar pelas assembleias-gerais de associações e cooperativas levam à mesma conclusão. Contudo, mais do que lamentar, julgo ser importante reflectir e implementar algumas soluções para resolver este problema. No entanto, sendo um tema polémico, devo fazer algumas ressalvas antes de exprimir a minha opinião:
1) As minhas considerações neste texto não se referem a nenhuma organização ou dirigente em particular;
2) Reconhecer a necessidade de renovar as organizações não implica necessariamente “arrumar” os dirigentes menos jovens. De facto, os mais velhos têm mais experiência, mais bom-senso e mais tempo disponível para acompanhar as organizações. Além disso, tendo a maioria dos agricultores idade avançada, é natural que a idade dos dirigentes seja equivalente.
3) Essa renovação é também necessária nas organizações de jovens agricultores, porque a idade – limite para ser dirigente, imposta pelos estatutos, obriga a uma renovação mais frequente que tem de ser bem preparada.
4) Por vezes, são precisas mudanças profundas, mas eu sou mais adepto da renovação, em que se melhora o existente, do que da revolução, em que se destrói o que existe para fazer tudo de novo. As revoluções acontecem onde não há renovação.
Como Renovar, então?
a) Promover a instalação de jovens agricultores: Para haver dirigentes mais jovens é preciso ter jovens agricultores no activo. Quantos mais houver, melhor se pode escolher. Nem todos estarão disponíveis. A maioria dos jovens agricultores está absorvida com o arranque da empresa agrícola e o início da vida familiar. Este apoio à instalação, sendo função obrigatória do Estado, também deve surgir das organizações de agricultores (formação, apoio técnico, de gestão) e das autarquias, por exemplo, em relação a construções e licenciamentos.
b) Apoiar as organizações de jovens agricultores: é nestas organizações que os jovens podem “aprender fazendo”, isto é, praticar o associativismo e a cooperação. É importante que os jovens agricultores se integrem no associativismo relativamente cedo, enquanto estudantes ou trabalhadores dependentes de outros agricultores, não só porque “de pequenino se torce o pepino” mas sobretudo porque estão muito mais disponíveis para actividades, viagens e intercâmbios. As organizações de jovens agricultores são “escolas de dirigentes”. No entanto, a natural (e saudável) “irreverência” dos jovens torna-se por vezes incómoda quando afronta o poder instalado. Noutras ocasiões, os líderes dos jovens agricultores, pela posição que ocupam, são vistos como concorrentes ao lugar ocupado pelos outros líderes. Isso pode dificultar a evolução dos líderes que mais se destacam enquanto jovens. A solução passa por moderação e paciência da parte dos mais jovens e, da outra parte, tolerância e capacidade de esquecer momentos de maior crispação, para que os melhores não fiquem queimados na juventude.
c) Formação geral dos agricultores: Quanto mais completa for a formação dos agricultores, maior a sua capacidade de intervenção nas organizações, maior a disponibilidade de dirigentes, maior a “massa crítica”. Tenho a profunda convicção que uma organização depende muito do acompanhamento, da acção e da “pressão” que todos os associados colocam nos eleitos para os corpos sociais. Os grupos “merecem” os chefes que escolhem. Uma palavra certa, dita em privado a um dirigente, pode valer mais que um discurso inflamado feito numa assembleia, sobretudo se for preciso criticar. Para serem eficazes, os elogios fazem-se em público e as críticas em privado.
d) Formação específica para dirigentes: O carisma e outras características que nascem com a pessoa são importantes para ser líder. Contudo, há competências que podem ser desenvolvidas, ao nível de comunicação, motivação, gestão de pessoal e conhecimentos mínimos necessários sobre estatutos, assembleias-gerais, legislação, etc.
e) Inserção gradual nas organizações: O bom-senso recomenda que os mais novos sejam gradualmente convidados a integrar os corpos sociais, começando por lugares e tarefas menos exigentes e ocupando progressivamente cargos com maior responsabilidade, à medida que demonstrem competência e tenham disponibilidade. No extremo oposto, a saída também pode ser gradual, ficando os ex-dirigentes como conselheiros da nova direcção, de modo a não se desperdiçar a experiência adquirida.
f) Limitação de mandatos: Este é um ponto polémico na agricultura, nas autarquias e noutras organizações sociais. De um lado, temos as vantagens de alternância no poder, de surgirem novos líderes com vontade de fazer mais e melhor, sem o cansaço e acomodação que o exercício do poder acarreta. Por outro lado, limitar os mandatos pode afastar gente competente quando já conhece a casa, tem experiência e respeito conquistado, começando tudo de novo cada vez que surge nova liderança. De qualquer modo, a progressão que propus acima pode atenuar esta dificuldade. Tendo a renovação por objectivo principal, é conveniente que nos estatutos se prevejam limites para evitar que alguém fique eternamente no poder. É mais difícil deixar o poder do que conquistá-lo. Fácil é usar o poder para o conservar. Depois, a renovação só acontece pela incapacidade física dos líderes ou quando as coisas ficam tão mal que não podem ser escondidas. E aí pode ser tarde demais.
Carlos Neves
Jovem Agricultor