Carta aberta defende que técnicas de melhoramento genético de alta precisão são fundamentais para a segurança alimentar e para o desenvolvimento científico e económico de Portugal e da Europa
Há 10 000 anos, quando as primeiras tribos passaram de caçadores-coletores para a agricultura, iniciou-se um longo caminho de melhoramento das plantas. No início do séc. XX, com o conhecimento da genética de plantas, passaram a ser efetuados cruzamentos controlados e outras técnicas de melhoramento para obter descendências mais produtivas. O melhoramento genético das plantas tem prosseguido com ferramentas cada vez mais precisas, para possibilitar obter maior produção e qualidade e assim fazer face aos desafios da população em crescimento e a um clima em mudança. Os resultados estão todos os dias à nossa mesa.
Há um ano, no dia 25 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça da União Europeia comprometeu o desenvolvimento de uma nova e promissora ferramenta para melhoramento de plantas: a edição do genoma. As plantas obtidas por este meio de melhoramento de precisão foram equiparadas na Europa a organismos geneticamente modificados (OGM) e, assim, sujeitas à restritiva legislação que regula os OGM, com grande prejuízo para a ciência, a agricultura e a sociedade.
O melhoramento de precisão por edição de genoma permite realizar pequenas alterações muito precisas no ADN, preservando os genes bons que a planta acumulou ao longo de centenas de gerações. Esta nova ferramenta permite acelerar a obtenção de variedades de plantas mais resistentes às pragas e doenças, reduzir o uso de agrotóxicos e a quantidade de água de rega e até remover produtos potencialmente alergénicos como o glúten. Essas mesmas modificações podem ser obtidas de forma muito mais lenta através das técnicas tradicionais de melhoramento de plantas ou ocorrer espontaneamente na natureza. De facto, e ao contrário do que acontece com os OGM, que incorporam fragmentos de ADN, não existe nenhum teste que permita distinguir os organismos sujeitos a edição do genoma daqueles em que ocorreram modificações naturais espontâneas. Dada a sua precisão, essas variedades são tão seguras ou mais que aquelas obtidas a partir de técnicas convencionais de melhoramento.
Ao pretender diferenciar o indiferenciável e equiparar as técnicas de melhoramento genético de precisão aos OGM, o Tribunal Europeu tornou o processo de licenciamento desses organismos muito mais dispendioso, comprometendo os investimentos em ciência no setor europeu do melhoramento das culturas. A utilização destas técnicas no continente está a tornar-se o privilégio de um grupo restrito de grandes multinacionais, com capacidade financeira para dele tirarem partido em grandes culturas altamente rentáveis. O resultado será que o desenvolvimento de variedades vantajosas de uma forma mais rápida e direcionada ficará paralisado na Europa enquanto o resto do mundo adota a tecnologia. Acresce que esses produtos continuarão a entrar no mercado europeu, uma vez que os controlos alimentares não serão capazes de os diferenciar daqueles obtidos por melhoramento genético tradicional.
A diferença na abordagem regulatória é mais do que uma questão de aposta na ciência. É também uma questão de segurança alimentar. A comunidade científica europeia apela por isso às instituições europeias, incluindo o Conselho Europeu, o novo Parlamento Europeu e a próxima Comissão Europeia, para que adotem medidas legais que permitam aos cientistas e às entidades que desenvolvem novas variedades de plantas aplicar a edição de genoma para uma agricultura e produção alimentar ambientalmente e economicamente sustentáveis. A capacidade de utilizar a edição de genoma é crucial para o bem-estar e a segurança alimentar dos cidadãos e para a adoção de técnicas agronómicas de menor impacto no meio ambiente.
Veja em anexo a Carta Aberta da comunidade científica europeia, subscrita por mais de 120 instituições do continente e mais de 70 investigadores em Portugal.
→ Consulte aqui a Carta Aberta ←
Links:
Position Paper divulgado pela comunidade científica europeia em 2018, na sequência da decisão do Tribunal de Justiça Europeu
Declaração do Grupo de Conselheiros Científicos Sénior da Comissão Europeia
Artigo publicado no EURACTIVE: 14 EU countries call for ‘unified approach’ to gene editing in plants