Concretização do Estatuto da Agricultura Familiar é indispensável para aumentar a produção nacional e reduzir a dependência alimentar do exterior

A demora na concretização plena do Estatuto da Agricultura Familiar agrava, a cada dia que passa, a dependência do exterior, põe em causa a segurança alimentar e compromete severamente a Soberania Alimentar do país.

Esta foi uma das conclusões da II Conferência Nacional Estatuto da Agricultura Familiar, promovida pela CNA no sábado, 11 de Dezembro, em Penacova, com vista a reafirmar a importância deste Estatuto e o empenho da CNA e Filiadas na sua implementação.

A pandemia expôs de forma gritante a necessidade urgente de se garantir a Soberania do país em termos produtivos quando faltou material básico de saúde, por exemplo, mas também quando se temeu pela falta de alimentos. Portugal importa 70% dos alimentos que necessita e a dependência do país em cereais, base da alimentação, é gravíssima. Por sua vez, as políticas de incentivo ao modelo agro-industrial super-intensificado e orientado para a exportação não só não garantem o abastecimento interno e a segurança alimentar, como não dão resposta à necessidade de reduzir a pegada ambiental dos alimentos.

A resposta para estes desafios está na Agricultura Familiar: capaz de garantir a vitalidade do território, gerar emprego, dinamizar as economias locais e nacional, produzir alimentos saudáveis e culturalmente adequados, numa lógica de circuito curto que responde às preocupações ambientais actuais.

Quando somos confrontados diariamente com notícias de riscos nas cadeias de abastecimento internacionais, de aumentos brutais dos preços e escassez de factores de produção, não restam dúvidas de que é urgente aumentar a produção nacional. Para isso precisamos de muitos agricultores e agricultoras a produzir.

A concretização plena do Estatuto da Agricultura Familiar é fundamental para manter em actividade as explorações agrícolas familiares que constituem mais de 90% dos agricultores do país e para atrair jovens e novos agricultores que possam aumentar a produção nacional e garantir o aprovisionamento de bens essenciais à população.

Consagrado em lei há mais de três anos, depois de uma proposta da CNA, de 2014, o Estatuto da Agricultura Familiar já contempla algumas medidas de discriminação positiva da Agricultura Familiar, mas está ainda muito longe do seu potencial alcance e daquilo que é necessário.

Estão por concretizar medidas estruturantes como um regime de segurança social próprio, um regime fiscal adequado (que inclua a possibilidade dos pequenos produtores venderem em feiras e mercados sem necessidade de estarem colectados), a prioridade no abastecimento público, o acesso prioritário à terra ou a valorização do trabalho das mulheres agricultoras, entre outras.

CNA reclama reversão da condição de 20% do rendimento colectável proveniente da Agricultura

Além da demora em torná-lo num instrumento efectivo de protecção e desenvolvimento da produção nacional, o Governo ainda veio dificultar o acesso ao Estatuto.

Com a introdução recente, através do Decreto-Lei 81/2021, de uma nova regra que obriga a que 20% do rendimento colectável do agregado familiar seja proveniente da Agricultura, o Governo está a excluir a grande maioria dos Agricultores Familiares, conforme a CNA teve oportunidade de alertar quando consultada sobre a matéria e em nota divulgada em Outubro[1].

Com este critério restritivo, com a burocracia do processo de adesão e com a implementação de medidas a conta-gotas e de menor impacto na actividade e no rendimento dos agricultores, o Governo parece não querer avançar com o Estatuto da Agricultura Familiar.

Ao não o concretizar, condena à ruína milhares de explorações da Agricultura Familiar e confirma que vai continuar a beneficiar um punhado de grandes proprietários, de poderes económicos e financeiros, que quando produzem é para exportar, utilizando a terra até a esgotarem, sem qualquer preocupação com o bem-estar da população ou do ambiente.

Ao Ministério da Agricultura e ao Governo não basta encher a boca para falar de sustentabilidade quando se eliminam explorações agrícolas familiares; não basta votar favoravelmente a Declaração dos Direitos Camponeses quando se pratica uma política de preços baixos na produção que condena os agricultores à pobreza; não basta organizar eventos à volta da Década da Agricultura Familiar, quando só olham para o agro-negócio.

Para o necessário desenvolvimento do potencial produtivo do país e para a salvaguarda da nossa Soberania Alimentar, é urgente concretizar o Estatuto da Agricultura Familiar.

O amplo consenso existente na sociedade em torno da importância da Agricultura Familiar, cada vez mais reconhecida por muitas entidades, fortalece a reclamação da CNA e Filiadas pela concretização plena e urgente do Estatuto da Agricultura Familiar.

A II Conferência Nacional Estatuto da Agricultura Familiar contou com a participação de agricultores de diversas regiões do país, dirigentes associativos, técnicos e representantes de organizações convidadas e teve como oradores Alfredo Campos e Vítor Rodrigues, ambos da Direcção da CNA; Nuno Teles, professor universitário e economista; Sílvia Martins, jovem agricultora; e Javier Sanchez, representante da Via Campesina na vice-presidência do Conselho Coordenador Internacional da Década das Nações Unidas para a Agricultura Familiar 2019-2028. Foi moderada por Adélia Vilas Boas, da Direcção da CNA.

[1] Comunicado CNA, 13 de Outubro de 2021


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