Um dos mitos mais difundidos é o de que consumir produtos locais é sempre a melhor opção para o meio ambiente. Essa crença é muitas vezes sustentada pela perceção de que o transporte dos bens alimentares aumenta em larga escala a pegada ecológica da cadeia de produção e distribuição desses mesmos bens alimentares, devido à emissão de gases com efeito de estufa (GEE).
A maior meta-análise de sistemas alimentares globais realizada até à data, publicada na Science, em 2018, por Joseph Poore e Thomas Nemecek, analisou mais de 38.000 explorações agrícolas comerciais em 119 países e mostra-nos uma realidade diferente.
Foi estudada a origem das emissões da cadeia de abastecimento de cada produto – desde as alterações no uso do solo até às prateleiras do supermercado.
As duas principais conclusões do estudo são:
1. Existem grandes diferenças nas emissões de GEE dos alimentos: a produção de um quilograma de carne de vaca tem um impacto climático, em termos de gases com efeito de estufa, cerca de 60 vezes superior ao da mesma quantidade de ervilhas (60 kg de CO₂-eq face a apenas 1 kg de CO₂-eq);
2. Para a maioria dos alimentos, a emissão de GEE resulta maioritariamente da alteração do uso do solo e de processos na fase de exploração agrícola (i.e., aplicação de fertilizantes orgânicos e sintéticos, e fermentação entérica – a produção de metano pelo gado). Em conjunto, o uso do solo e as emissões na fase de exploração representam, em média, mais de metade da pegada ecológica dos alimentos analisados. O transporte é um fator residual e representa, em média, cerca de 2% da pegada ecológica.
Aliás, consumir produtos locais pode ser mais prejudicial para o meio ambiente. Em muitos países, frutas e legumes só podem ser cultivados em determinadas épocas do ano, mas os consumidores exigem disponibilidade o ano inteiro. Nesse cenário, existem três alternativas: importar; adotar métodos de produção intensivos em energia, como as estufas; usar refrigeração e outros métodos de conservação.
Tendo em conta estes aspetos, a meta-análise de sistemas alimentares revelou que, frequentemente, a importação de alimentos apresenta uma pegada ecológica mais baixa do que os métodos locais de produção intensiva. Um maior conhecimento do cidadão permitirá, a cada situação, tomar a opção mais adequada, em termos ecológicos e financeiros.
- Os factos vistos à lupa por André Pinção Lucas e Juliano Ventura – Uma parceria do POSTAL com o Instituto +Liberdade
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