mercado

Contribuição sobre lucros excessivos provoca “um dano de imagem inaceitável” às empresas

Gonçalo Lobo Xavier, director-geral da APED, diz que o padrão de consumo dos portugueses já mudou: fazem compras mais cerebrais, vão mais vezes ao supermercado e não perdem de vista as promoções.

Na semana em que o Parlamento aprova o diploma do Governo que taxa os lucros extraordinários das empresas da energia e da distribuição, Gonçalo Lobo Xavier considera a contribuição profundamente injusta, aplicada a um sector que tudo tem feito para menorizar o impacto da inflação. “Espanta-nos que tenha avançado para um sector tão importante para o país”, diz ao PÚBLICO e à Renascença o director-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (que inclui retalho, mas não só). A entrevista pode ser ouvida na Renascença nesta quinta-feira a partir das 23h. Para a semana, haverá uma interrupção nesta iniciativa, que volta em 2023.

De que efeitos estamos a falar para o sector da distribuição quando se fala nesta contribuição extraordinária?

Eu diria que não podemos propriamente falar em perdas do ponto de vista financeiro. Eu acho é que há aqui um dano de imagem, que é, do nosso ponto de vista, inaceitável. A Comissão Europeia fez uma recomendação em face de uma situação específica que é a área da energia. No caso dos nossos associados da distribuição alimentar, não há paralelo com a energia. Não há nenhuma recomendação por parte da Comissão Europeia.

Alguns Estados-membros discutiram o assunto e deixaram cair esta iniciativa. No caso português, ela avançou. Do nosso ponto de vista, avançou mal, porque há aqui uma tentativa de penalizar um conjunto de empresas que muito tem feito para que os portugueses não sintam todo o avanço da inflação e o aumento dos preços, e isso num país com uma carga fiscal que já de si é das maiores da Europa.

Todas estas empresas vão ser alvo desta contribuição suplementar extraordinária, repito, extraordinária, porque é bom que fique claro na lei que será por dois anos, como foi anunciado, e isso parece-nos que é profundamente injusto. Espanta-nos que tenha avançado para um sector tão importante para o país.

A que se refere concretamente quando diz que tem feito tudo?

Às vezes, o problema é que a discussão política resvala para um populismo e para um soundbite que é profundamente injusto e revelador de um enorme desconhecimento da realidade. Sejamos claros: nós tivemos nos primeiros nove meses do ano um crescimento da economia portuguesa em áreas tão sensíveis como o turismo, a restauração e a hotelaria. E isso é magnífico para o país.

Evidentemente que também tivemos um resultado muito bom para o retalho alimentar com o crescimento das vendas. Mas, associado a isso, tivemos uma inflação enorme, que veio causar um dano muito significativo às famílias portuguesas. Essa inflação não é naturalmente provocada pelos retalhistas, é provocada por toda a cadeia de valor. Portanto, quando se discute o aumento dos preços no retalho, deve-se reflectir que há um aumento de preços na produção (agrícola ou não), nos custos dos transportes e nos outros factores de produção, como as embalagens, a energia, a logística ou a própria indústria.

Ora, se toda a cadeia de distribuição é contaminada com o aumento do preço dos custos, é natural que o preço final ao consumidor aumente. Agora, o que ninguém diz é que só há verdadeiramente lucros extraordinários se houver um aumento das receitas e da margem de uma forma extraordinária… E isso não existe, são dados do Banco de Portugal.

Se toda a cadeia de distribuição é contaminada com aumento do preço dos custos, é natural que o preço final ao consumidor aumente

Então, não é como o Governo dá a entender, que estes são os melhores meses dos últimos anos para a distribuição?

Nós estamos de facto a aumentar em valor as vendas, por via do aumento dos preços, mas é um aumento que nós não estamos a reflectir na sua totalidade. Já está evidenciado em vários estudos que o retalho tem passado apenas 35% dos custos dos aumentos que tem sentido ao nível dos factores de produção, só 35%. Os outros são esmagados por via de não aumentarmos as margens e mesmo, em muitos casos, de as diminuir. Só mais uma nota: o que está a ter um desempenho extraordinário neste ano é a receita fiscal que o Governo está a arrecadar, por via, aliás, do aumento do consumo que se verificou.

Era bom que o Estado português usasse bem esse aumento de receita fiscal que está a ter. Não vos quero maçar com dados, mas a margem EBITDA do comércio a retalho, caso dos hipermercados, em 2019 situava-se entre os 4 e os 5%. As margens são reduzidas e muito inferiores às de outros sectores, como a energia. E assim se mantém. A margem em Portugal, como na Europa, está na ordem dos 2, 3, 4% em média. E isto não tem vindo a aumentar. Portanto, quando se fala em lucros extraordinários e resultados extraordinários, está a confundir-se.

A estimativa apontada esta semana pelo Governo é a de que o Estado poderá arrecadar, com esta contribuição, entre 50 e 100 milhões no conjunto do sector da energia e da distribuição. Acha que vai ser esta a estimativa ou está para lá disso até?

Nós não temos dados suficientes para isso. A forma que o Governo encontrou para aplicar esta contribuição é a média dos últimos quatro exercícios e, se o resultado de 2022 tiver até um tecto de 20% acima desta média, é sobre isso que vai incidir. Uma nota: 2020 foi um ano de pandemia, não foi um ano particularmente feliz para as empresas, portanto, é de certa forma injusto, porque entra para a média um ano que é mau.

O que entendemos é que com isto o Governo está a penalizar um conjunto de empresas e a querer desculpabilizar-se por uma situação que não foi criada por estas empresas. O Governo quis encontrar um bode expiatório. E isto não é um discurso positivo para o país, nem para o ambiente económico, nem para as empresas, nem para os consumidores, que ficam confundidos porque se habituaram a ver estas empresas como seus aliados.

O que nós continuamos a […]

Continue a ler este artigo em Público.


Publicado

em

, ,

por

Etiquetas: