Henrique Pereira dos Santos

Conversas sobre Pedrógão – Henrique Pereira dos Santos

“Plantaram mais eucaliptos, e quando voltar a haver um incêndio enorme, e gente a morrer, a culpa vai ser da trovoada! Os tugas vão voltar a ser solidários, e a dar dinheiro para eles fazerem e refazerem as casas dos amigos… e está tudo bem!”.

“Respondo-lhe a si porque tenho respeito pelo seu trabalho noutros campos que não este: não plantaram nada na maior parte dos sítios, homem, a percentagem de área com plantações é mínima, pegue num carro e vá lá ver em vez de repetir este tipo de disparates facilmente verificáveis”.

“quem diz que plantaram foi um morador, citado hoje na capa de um jornal. Sei perfeitamente que não precisam de plantar nada, porque a seguir ao incêndio eles nascem “como cogumelos” (ou mais). Mas se não os plantaram, pelo menos que os cortassem…”.

Isto é um excerto de uma conversa a propósito de um artigo de jornal, dos muitos que ontem se fizeram a propósito da passagem de cinco anos sobre o incêndio de Pedrogão.

Eu próprio, aliás, participei num programa de rádio que evocava essa data.

Não me interessa, neste post, discutir quer as circunstâncias desses grandes fogos, quer a evolução da nossa paisagem antes e depois desses fogos, até porque tendo escrito sobre isso um ensaio há pouco tempo, e podendo qualquer pessoa comprar o livro em que se publicará esse ensaio, considero-me dispensado de me repetir, desta vez.

O que me interessa, neste post, é esta paranóia colectiva sobre o eucalipto, que leva pessoas sensatas, razoáveis, medianamente informadas sobre o que se passa à sua volta, a dizer as coisas mais absurdas sobre o assunto.

Sobretudo interessa-me a frase final da conversa que transcrevi “Mas se não os plantaram, pelo menos que os cortassem…”.

E interessa-me porque sintetiza uma alienação estratosférica, que não é apenas desta pessoa em concreto, mas de largas partes da sociedade.

Aparentemente, quem pensa e escreve coisas destas não tem em atenção que não há gestão da paisagem, não há possibilidade de fazer gestão em larga escala e ao longo do tempo, sem retorno que pague essa gestão.

Em primeiro lugar, se não existe gestão que faça a selecção de varas (é o que quer dizer a expressão equívoca ” a seguir ao incêndio eles nascem “como cogumelos” (ou mais)”, porque mesmo aceitando que talvez haja uma progressiva adaptação dos eucaliptos portugueses que faz aumentar a reprodução seminal, como recentemente me disseram, ainda assim o nascer como cogumelos dos eucaliptos após fogo não decorre da reprodução seminal, mas do rebentamento de toiça, esmagadoramente), que seria uma operação com retorno na produção de madeira que o mercado remunera (mal, mas remunera), como querem que haja gestão para fazer uma coisa que não tem qualquer retorno, como andar a cortar eucaliptos periodicamente (sim, porque cortar a rebentação após fogo não faz desaparecer os eucaliptos, apenas os faz rebentar de novo, se é para eliminar eucaliptais de forma eficaz, o que é preciso fazer é pulverizar a rebentação com glifosato)?

Pode admitir-se que, enfim, o conhecimento técnico sobre o assunto seja fraco e esta primeira questão associada à frase final da conversa seja apenas fruto de alguma falta de empenho no estudo do problema.

Mas há uma outra pergunta fundamental a que, aparentemente, não se atribui nenhuma importância.

Admita-se que sim, que era fácil, racional e útil, cortar todos os eucaliptos.

E daí? O que se esperaria obter com essa operação?

É que ao cortar todos os eucaliptos (vamos esquecer as questões técnicas) o resultado não seria passar a ter grandes carvalhais ou, ao menos, oportunidades para que se desenvolvessem grandes carvalhais, o resultado era apenas ter o mesmo abandono e a mesma falta de gestão, agora sem eucalitpos.

O que, do ponto de vista dos fogos, era completamente irrelevante.

Continuar a discutir a gestão dos fogos com guerras de alecrim e manjerona entre espécies (note-se que não é uma discussão de curiosos como eu, Francisco Castro Rego põe a discussão frequentemente nessa base, embora de forma muito mais sofisticada do que a maioria das pessoas, e há coordenadores de planos de transformação da paisagem que fazem propostas mirabolantes, a que o Estado dá cobertura, centradas nessa guerra de espécies. O país, enquanto tal, tem uma política florestal baseada nessa discussão bizantina) é um bom caminho para o desastre que se irá repetir, algures por 2030, mais ano, menos ano.

Enquanto andarmos a inventar problemas reais, para responder a problemas inexistentes, ou com pouca relevância para a gestão do fogo, o resultado final só pode ser aumentar os problemas que desembocarão no resultado que, neste momento, é o que poderemos esperar: a repetição de Pedrógão, algures entre dez e quinze anos depois do desastre anterior.

Nós temos um problema de gestão de combustíveis finos, esse problema resulta da falta de uma economia que remunere essa gestão e deveríamos estar concentrados ou em aumentar a eficiência dos mercados que possam remunerar essa gestão, ou em criar mercados de iniciativa pública nas circunstâncias em que não há mercados que estejam a remunerar essa gestão.

Todas as distrações que fujam deste programa não passam disso mesmo, de distracções, não alteram em nada a trajectória para o desastre quem continuamos a estar, apesar das melhorias pontuais na compreensão do fogo e da sua gestão que têm ocorrido na sociedade portuguesa (e, para ser rigoroso, em quase todo o mundo).

O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.


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