O Crédito Agrícola decidiu precaver-se de eventuais impactos da conjuntura mundial e encheu as gavetas para possíveis dificuldades nos empréstimos que concedeu. Fê-lo num montante quase cinco vezes acima de um ano antes. Um movimento que contribuiu para a queda de 30% do lucro, já pressionado pelos juros em baixa do Banco Central Europeu. O grupo cooperativo é um dos que apresentam um maior peso do crédito malparado, mas este indicador até tem recuado.
“Nos primeiros nove meses de 2025, verificou-se um reforço líquido das imparidades de crédito no montante de 25,8 milhões de euros”, segundo assinala o comunicado de apresentação de resultados de Janeiro a Setembro, divulgado esta sexta-feira, 21 de Novembro. É quase cinco vezes mais do que os 5,9 milhões constituídos no mesmo período de 2024.
As imparidades de crédito representam o montante de dinheiro que é reconhecido antecipadamente como perdido dos empréstimos que foram já concedidos. Há várias razões para as constituir, seja por problemas específicos nos clientes, seja pelo enquadramento geral.
E o banco cooperativo, formado pela Caixa Central e cerca de 60 caixas regionais (o número vai variando porque estão a ser realizadas fusões para ganharem maior músculo), justifica estas imparidades sobretudo com esse enquadramento: o reforço reflecte “a incerteza macroeconómica, marcada por tensões de cariz geopolítico, o potencial impacto das tarifas alfandegárias impostas pelos Estados Unidos da América nas empresas”. O momento geral é de incertezas e o próprio Banco Central Europeu (BCE) veio alertar esta semana para a combinação de vários factores poderem contribuir para eventos sem precedentes.
Comandado por Sérgio Frade (que este Verão substituiu Licínio Pino no leme executivo), o Crédito Agrícola é o banco que tem dos maiores rácios de crédito malparado, conhecidos pela sigla NPL (de non-performing loans, ou créditos não produtivos).
Em Setembro, 4,2% da carteira de crédito estava em incumprimento, face aos 6,1% que registava um ano antes. Houve muitos créditos antes em dificuldades que passaram a estar em cumprimento, “sobretudo nos segmentos do crédito habitação e empresarial”: voltaram ao estatuto de normalidade e isso contribuiu positivamente. O malparado desceu, apesar de o crédito total até avançar 6,7% (sobretudo crédito à habitação, mas também nos empréstimos para empresas).
Só que, apesar dessa melhoria do rácio do Crédito Agrícola no último ano, ele continua a ser muito relevante: em Junho, último momento em que há dados agregados, todo o sector bancário em Portugal apresentava um rácio médio de 2,3%. Os bancos portugueses fizeram uma grande limpeza neste domínio, até por pressão dos supervisores, depois de níveis superiores a 15% aquando da intervenção da troika, entre 2011 e 2014 (o desemprego é um dos factores que mais contribuíram então para o seu aumento).
Este reforço das imparidades de crédito pesou no desempenho do Crédito Agrícola entre Janeiro e Setembro face ao mesmo período de 2024. O lucro recuou 30%, com o banco a encaixar 241,6 milhões de euros. O agravamento dos custos – no grupo bancário que mais agências tem no país (615) e que emprega 4.439 trabalhadores – pesou nos resultados.
Porém, o grande contributo para a quebra foi a descida da margem financeira, que resulta da diferença entre os juros cobrados em créditos já concedidos e os juros pagos em depósitos constituídos pelas famílias e pelas empresas. Essa margem tem vindo a cair porque o BCE cortou os juros que fazem mover os indexantes dos créditos, o que tem feito com que os resultados dos bancos tenham recuado ligeiramente, ainda que mantendo-se perto dos recordes.
As comissões bancárias têm sido uma forma de compensarem (ainda que parcialmente) a descida da margem e, tal como aconteceu nos principais bancos, também aconteceu no Crédito Agrícola: as comissões cresceram 5% em termos homólogos.
Apesar da descida dos lucros, o indicador que mede a atractividade do investimento (ROE, na sigla inglesa), está nos 10,9%. O banco, a área seguradora e a de gestão de activos contribuíram para o resultado.
“Os rácios de solvabilidade (CET1 e Fundos Próprios Totais) ascenderam a 23,4% e conjuntamente com os rácios de liquidez, confirmam a manutenção de uma margem muito confortável face aos requisitos prudenciais e orientações da supervisão”, nota o presidente executivo, Sérgio Frade, citado na mensagem enviada à comunicação social. O grupo cooperativo nunca costuma realizar conferências de imprensa para apresentar os resultados.