Ao longo do ano de 2008, falei da crise dos cereais, indicando um conjunto de factores que me pareciam ser as causas mais prováveis de uma crise que tocava em factores como o clima, OGM e política energética.
Em simultâneo, centrava a crise, essencialmente, na União Europeia. Humildemente, tenho de reconhecer que nunca pensei que a especulação bolsista sobre as commodities atingiria os níveis a que agora assistimos e que “desregularam” os mercados para a completa irracionalidade.
Teremos também que ter em conta a hecatombe que caiu sobre o mundo financeiro a partir dos EUA (crise dos “activos tóxicos”) e que rapidamente se estendeu, praticamente, a todo o mundo, com maior ênfase à Europa e, dentro desta, à Zona Euro com os problemas da chamada Dívida Soberana. Portugal foi particularmente atingido por esta última como de um terramoto da magnitude 10 se tratasse.
O desemprego disparou, o poder de compra caiu, o crédito desapareceu, os juros cresceram e … o mal-estar e a incerteza quanto ao futuro, apoderaram-se das pessoas, das famílias, das empresas e das Instituições.
A crise sente-se, particularmente, ao nível da agro-pecuária, espartilhada entre custos de produção continuamente crescentes e um bloqueio ao nível dos preços de venda dos seus produtos.
É evidente que a crise é generalizada mas a agricultura e os seus agentes não podem ser condenados pelo simples facto de estarem ligados a um Sector que tem sido olhado mais como um estorvo que como um sector primário essencial para a independência alimentar do nosso País.
Os agricultores têm direito à dignidade e a serem tratados como tal. Não podem ser condenados à miséria porque aceitamos alimentar uma população em crise com produtos alimentares importados que, com dumping e “falinhas mansas”, vamos fazendo chegar a Portugal, embora os produzamos e que são condição de sobrevivência de uma percentagem, ainda pesada, da nossa população, só porque a Grande Distribuição Organizada os coloca no mercado com maior margem de lucro se for buscar esses mesmos produtos a terceiros países. Era bom que os consumidores tivessem consciência de tudo isto.
É em momentos como este, que estamos a viver, que se deve ser solidário e procurar essencialmente o que produzimos e incentivar os actores a aplicar-se cada dia com mais afinco no amanho da terra e no trato dos animais, pagando-lhes os produtos do seu labor a preços justos. A agricultura que temos não tem culpa das carências com que foi brindada pela localização, clima e tipo de terra.
Dito isto voltaria para explicar a razão do título destas notas: a “Crise de 2008/20…”. É assim porque não tenho noção de quando terminará a crise, apenas tenho a certeza que será lá para 20…, nunca antes.
Parece-me certo que ou são tomadas medidas correctoras dos factores que impedem a agricultura portuguesa de se desenvolver e cumprir, como é seu dever, os objectivos para que existe ou então, assumimos que foi intencionalmente que comprometemos a nossa agricultura, a nossa paisagem rural e … o ambiente a que temos direito.
A Indústria dos Alimentos Compostos para animais está exangue. Chegou ao limite das suas capacidades de endividamento para manter o crédito aos produtores pecuários (seus clientes), com o prazo médio de recebimento a rondar os 5 meses ou seja, créditos de clientes de 350 M€.
Mas isto não é um mal exclusivamente português … é um mal europeu, de uma Europa que teima em olhar para o umbigo, de uma Europa a pensar no seu cómodo presente e enterrar a cabeça na areia para não ter, porque não quer, ouvir falar do futuro, de uma Europa de Nações cada dia mais egoístas, de uma Europa hipócrita para com os seus concidadãos, de uma Europa que não quer acreditar que já não é o Centro do Mundo, de uma Europa que está a perder a corrida do desenvolvimento sustentado, enfim, de uma Europa que se está a autodestruir.
Se eu tiver razão, e sinceramente espero que não, então o nosso futuro e especialmente o dos meus filhos e netos, estarão comprometidos para muitos e muitos anos e o título desta reflexão bem poderá ser:
“A crise de 2008/até a Europa querer pensar no futuro, de uma forma solidária, sustentável e humana social, económica e ambientalmente”
Pedro Correia de Barros,
Presidente da Direcção da IACA