Cultivar e comer leguminosas para mitigar a falta de água na agricultura

A iminência da seca e a discussão, muito atual, acerca da gestão dos recursos hídricos em Portugal têm colocado a agricultura sob o escrutínio dos portugueses. Este setor é, obviamente, dos mais dependentes de água no que se trata de assegurar a produção agrícola e o grau de autossuficiência alimentar do país. A necessidade de tornar a gestão dos recursos hídricos mais sustentável na agricultura tem sido uma das mensagens-chave veiculadas pelos especialistas, juntamente com soluções como modernizar a agricultura, assegurar a medição dos gastos de água, adotar sistemas de rega gota-a-gota e utilizar sistemas de agricultura de precisão.

Neste Dia Mundial das Leguminosas, queremos também relembrar a importância da utilização deste tipo de culturas na gestão dos recursos hídricos num sistema agrícola e como podem ser uma ferramenta eficaz no combate às alterações climáticas que enfrentamos.

A problemática da falta de água no setor agrícola

A falta de água ameaça o setor agrícola. Os agricultores, que vivem tempos difíceis, podem ver-se obrigados a alterar algumas das suas práticas por forma a lidar com este problema. Este deve-se à seca meteorológica, ou seja, à não ocorrência de precipitação e caracteriza-se pela falta de água promovida pelo desequilíbrio entre a precipitação e a evaporação. A seca meteorológica varia consoante a região e é dependente de elementos como a velocidade do vento, temperatura, humidade do ar e insolação. Podemos ainda considerar a seca agrícola (que está relacionada com as características das culturas), a seca agrometeorológica (que combina os conceitos de seca meteorológica e seca agrícola) e a seca hidrológica (relacionada com o nível de armazenamento dos recursos hídricos).

A falta de água sentida na agricultura é um grande desafio, que exige uma resposta imediata, pois pode refletir-se num aumento nos custos de produção e consequente aumento no preço dos alimentos. Na tentativa de assegurar água para consumo humano, o Governo já avançou com algumas medidas paliativas, nomeadamente, a restrição do uso de várias barragens para produção de eletricidade e para rega agrícola. Deste modo, a manutenção da produção agrícola fica condicionada e, tendo em conta que a seca atual não será um evento único, é necessário tomar medidas mais profundas, que permitam uma melhor preparação do setor para enfrentar a recorrência destas situações mais extremas.

A inclusão de leguminosas nos sistemas de produção pode ser uma solução

Em termos agronómicos, as leguminosas desempenham uma função importante no combate às alterações climáticas, na proteção do solo e asseguram diversos serviços de ecossistema. Mais concretamente, a introdução de leguminosas nos sistemas produtivos, através de práticas como a rotação e consociação de culturas, permite aumentar a biodiversidade agrícola e criar uma paisagem mais diversa para os seres vivos. Além disso, por serem plantas com a capacidade de fixar o azoto de forma natural, as leguminosas contribuem para o melhoramento da fertilidade do solo agrícola e consequente diminuição da pegada de carbono.

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As leguminosas têm assim uma ação importante face às alterações climáticas, também por possuírem uma ampla diversidade genética, o que torna possível selecionar variedades resilientes aos diferentes stresses que são impostos nos sistemas agrícolas. Estas conseguem adaptar-se facilmente a solos muito pobres e ambientes semiáridos e, por isso, estão preparadas para enfrentar situações de seca, tais como as que enfrentamos atualmente. Estas culturas permitem, deste modo, um uso eficiente da água e certas variedades estão bem adaptadas ao cultivo em sequeiro (quer para alimentação humana, quer para forragem). Em comparação com, por exemplo, plantas oleaginosas, a produção de leguminosas requer menos de metade da quantidade de água. É, por isso, importante promover a introdução destas culturas nos campos portugueses. Por exemplo, as leguminosas podem ser utilizadas nos sistemas agropecuários como fonte de proteína para a alimentação animal e dessa forma beneficiam o ecossistema total da exploração agrícola: melhoram a qualidade dos solos, diminuem o gasto de água e a dependência externa de rações para os animais.

As consequências nefastas das alterações climáticas na agricultura são inegáveis. Tendo em consideração a subida das temperaturas médias e a diminuição da precipitação, a menor necessidade de rega e as menores exigências a nível de solo apresentam-se como fortes vantagens e constituem razões bastante válidas para uma maior introdução das leguminosas nos sistemas de produção agrícolas.

Dietas saudáveis e sustentáveis

Mais ainda, as leguminosas fazem parte da dieta humana há vários séculos, existindo registo da utilização de feijão, grão-de-bico e lentilhas desde 7000-8000 a.C.. Para além das vantagens ambientais, estas apresentam vários benefícios atrativos para os consumidores: são alimentos com um prazo de validade alargado; têm uma vasta diversidade de cor, sabor, tamanho e tempo de cocção, o que permite a sua utilização em diferentes receitas e aplicações; e têm componentes benéficos para a saúde, tais como antioxidantes e compostos que ajudam na redução do risco de doenças cardíacas. O seu consumo tem vindo a aumentar, principalmente à luz de dietas alternativas, mas não só! As leguminosas fazem parte das recomendações alimentares do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, sendo que devem constituir 4% da nossa alimentação diária. Uma dieta que inclua leguminosas, não só é saudável, como também é sustentável, uma vez que apoia a produção destes alimentos que são favoráveis ao meio ambiente.

O Projeto LeguCon

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Em suma, o cultivo de leguminosas contribui para a estratégia de mitigação dos efeitos da seca nas explorações agrícolas, e não só assegura a sustentabilidade, mas também a rentabilidade dos sistemas de produção. O consumo equilibrado de leguminosas apoia sistemas agrícolas mais sustentáveis, promove a biodiversidade e suporta uma dieta saudável. Apesar das políticas agrícolas evidenciarem a importância de incluir as leguminosas de novo nas cadeias agroalimentares, do prado ao prato, a falta de tecnologia, mecanização e saber levaram à redução drástica no investimento na produção de leguminosas em Portugal (e também na Europa). Por estes motivos, ações que promovem a partilha de conhecimento e o incentivo para o cultivo de leguminosas são muito importantes e têm vindo a aumentar. No final do ano de 2020, a Universidade Católica Portuguesa iniciou o Projeto LeguCon (financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian), com o objetivo de ajudar os produtores nacionais a colocar mais leguminosas nos campos e de demonstrar o potencial agrícola e económico destas culturas. Para tal, foi fundado um consórcio (associado ao website e redes sociais do projeto e sempre disponível para integrar novos interlocutores) que abrange a indústria das sementes, agricultores, processamento, distribuidores e consumidores interessados ou já envolvidos na promoção do valor das leguminosas, e que consiste num importante veículo de informação e conectividade com os cidadãos.

*Por Carla S. Santos (Investigadora Responsável pelo Projeto LeguCon) e Rosa Moreira (Engenheira Agrónoma), ambas integradas na Universidade Católica Portuguesa.

O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.


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