Cultivo de carbono florestal: reservatórios e créditos mais robustos

Como é que as florestas da União Europeia (UE), que cobrem cerca de 40% do território dos Estados-membros, podem reforçar-se como reservatórios de carbono de longo prazo e ajudar a alcançar a meta da neutralidade carbónica? Esta é a questão central do novo relatório do Instituto Europeu da Floresta (EFI) sobre o cultivo de carbono pelo sector florestal europeu.

 

Entre os seus temas centrais, “Carbon farming in the European forestry sector”, publicado em outubro de 2024, identifica os principais desafios técnicos e de gestão a ultrapassar para garantir que as práticas silvícolas aplicadas são eficazes a longo prazo na captura de dióxido de carbono (CO2) e no armazenamento de carbono (C) nas plantas e no solo; e assegurar que os créditos de carbono gerados e depois transacionados refletem reduções robustas de emissões de gases com efeito de estufa (GEE).

O documento do EFI define “cultivo de carbono” como qualquer prática ou processo, realizado ao longo de um período de atividade mínimo de cinco anos, relacionado com a gestão terrestre ou costeira, do qual resulte a captura e armazenamento temporário de carbono atmosférico e biogénico em reservatórios biológicos, ou a redução das emissões do solo.

Neste sentido e considerando que as florestas são vistas como um meio central para compensar as emissões de GEE que são difíceis (ou impossíveis) de reduzir, o relatório reforça três ideias-chave:

– A florestação e regeneração da floresta são as formas mais eficazes de promover o armazenamento de mais carbono a longo prazo. A florestação de áreas não florestais, a diversificação das espécies de árvores, o aumento dos períodos de cultura (até ao corte), a aposta nos sistemas agroflorestais e o restauro de zonas húmidas são alguns dos métodos destacados para promover o cultivo de carbono e para reverter o efeito de práticas insustentáveis, que causaram a degradação de 60 a 70% do solo europeu.

– São necessários incentivos mais eficazes aos proprietários florestais europeus para que possam dar prioridade a uma gestão sustentável e de longo prazo, que vá para além dos ganhos imediatos;

– É preciso introduzir uma nova forma de créditos de carbono temporários, que contabilizem a natureza também temporária do armazenamento de carbono em ecossistemas naturais, e que possam ser avaliados (medidos e validados) todos os anos.

Em consonância, apela aos decisores europeus para revisitarem o enquadramento em vigor para o sequestro, armazenamento e transação de créditos, no sentido de poderem ser tomadas medidas mais eficazes e transparentes, assim como políticas alinhadas entre os diferentes países, em torno da mitigação climática e neutralidade carbónica.

 

Créditos mais ajustados à realidade e retornos recorrentes aos produtores

 

Estes créditos temporários seriam desenhados para refletir a natureza dinâmica do armazenamento de carbono nas florestas, em contraste com os créditos tradicionais, que assumem remoções permanentes. Assim, permitiriam salvaguardar os riscos de o carbono sequestrado voltar a ser libertado para a atmosfera, tanto devido a eventos naturais como a alterações na gestão florestal.

Além de representarem com maior precisão os benefícios reais decorrentes do cultivo de carbono, os créditos seriam verificados e ajustados com base em avaliações contínuas, capazes de refletir as mudanças de armazenamento que ocorrerem ao longo do tempo.

O relatório sugere também que estes créditos temporários deveriam ser usados como uma contribuição financeira que revertesse para a ação climática em vez de serem considerados, como acontece atualmente, uma medida de compensação.

“O pagamento pelo sequestro de carbono através dos mercados de créditos de carbono pode ser uma ferramenta para oferecer aos gestores das terras os incentivos para gerirem os seus terrenos de acordo com os objetivos de redução de carbono”, refere.

Ao expirar, os créditos temporários deixariam de ser válidos e necessitariam de ser substituídos, incentivando a continuidade das boas práticas de gestão florestal e de cultivo de carbono e promovendo pagamentos recorrentes pela renovação de créditos (em vez de um único pagamento antecipado por um serviço do ecossistema que pode não se manter).

A ideia implica a necessidade de aumentar a monitorização e quantificação das práticas de cultivo de carbono. Neste sentido, o relatório sublinha a importância de ampliar a monitorização geoespacial e a verificação por parte de terceiros, para garantir que as práticas – e os créditos – são eficazes e compatíveis com os objetivos climáticos.

Relativamente aos mercados, sublinha também a necessidade de superar outros desafios que impedem uma abordagem mais rigorosa e transparente. Entre outros, são referidos a falta de padrões uniformes de contabilização, a baixa comparabilidade na qualidade dos certificados emitidos e as fugas de mercado por deslocalização da produção.

 

5 recomendações para o cultivo de carbono

 

As abordagens de cultivo de carbono recomendadas no relatório incluem diversas práticas de gestão florestal e agrícola, que variam de acordo com o ecossistema e os objetivos de sequestro. E diferentes práticas têm diferentes impactes, embora em vários casos seja necessário aprofundar conhecimentos.

Todas elas deverão contribuir para os critérios QU.A.L.ITY aplicados à certificação de remoções na Europa: assegurar benefícios adicionais, gerar reservas que permaneçam no longo prazo, evitar fugas e ser quantificável de forma robusta, reduzindo conflitos e potenciando sinergias com outros objetivos de sustentabilidade.

Em resumo:

 

1. Florestação

A florestação ou reflorestação de terras agrícolas ou prados é uma prática central para o sequestro e retenção de carbono acima do solo (na parte aérea das árvores) e abaixo da sua superfície (no solo e raízes), além de gerar outros benefícios ambientais – por exemplo, de proteção do solo e promoção de biodiversidade. De ressalvar que, na zona mediterrânica, a florestação de zonas de prados, especialmente em zonas húmidas, pode levar a perda de carbono do solo.

Dependendo do uso anterior do solo, do clima de diferentes locais, da idade do povoamento e das espécies de árvores, estima-se que as taxas de sequestro anuais por hectare possam variar entre 2 e 35 megatoneladas de CO₂.

“Os valores mais elevados correspondem a plantações intensivas de espécies de rápido crescimento utilizadas nos países mediterrânicos”, indica o relatório, explicando que, excluindo estas espécies, a taxa média anual por hectare é estimada em 5 a 10 megatoneladas de CO₂, sendo positiva em todos os biomas, mas mais baixa na floresta boreal. As taxas de sequestro de carbono nos solos decorrentes da florestação de novas áreas são muito inferiores, pois o processo de acumulação é muito mais lento.

 

2. Práticas de silvicultura sustentáveis

A gestão florestal feita em continuidade, a diversificação de espécies, a redução da intensidade das colheitas e a extensão dos períodos de rotação estão entre as práticas que podem aumentar a resiliência da floresta e a absorção de carbono.

O mesmo acontece, por exemplo, ao evitar o corte raso integral de um povoamento, optando pela Continuous cover forestry (também conhecida como silvicultura próxima da natureza), que permite um aporte constante de carbono ao solo e raízes.

Estas práticas são particularmente importantes em áreas sujeitas a perturbações naturais.

 

3. Gestão do fogo

Os efeitos do fogo controlado no carbono do solo variam consideravelmente, mas em geral são menos nefastos do que os efeitos dos incêndios. Em certas situações, a baixa intensidade do fogo técnico pode levar à melhoria da fertilidade e pH do solo.

Embora a utilização do fogo controlado necessite de ser aprofundada e mais bem enquadrada (faltam, por exemplo, indicadores relativos aos benefícios adicionais que proporciona), a gestão deste fogo de baixa intensidade deve ser incluída na agenda científica e política.

Na sua ausência e em consequência das alterações climáticas e das alterações do uso do solo, antecipa-se que continue a existir um aumento do número de incêndios severos, em várias áreas do Mediterrâneo.

 

4. Sistemas agroflorestais

A integração de árvores em sistemas agrícolas ou a passagem de sistemas agrícolas a sistemas agroflorestais melhora a fertilidade do solo, reduz a erosão e contribui para a captura de carbono, quer na biomassa das árvores, quer no solo.

Consoante as espécies que compõem estes sistemas, a sua diversidade etária e as práticas de gestão, os sistemas agroflorestais podem ter benefícios naturais adicionais – na biodiversidade ou redução da temperatura propiciada pelas árvores, por exemplo, além de ajudarem a diversificar as fontes de rendimento.

 

5. Restauro de turfeiras

O restauro de turfeiras, a gestão do nível de água e a reposição da humidade em turfeiras drenadas – voltando a tornar húmidas áreas que foram secas e plantadas e melhorando o seu solo por incorporação de cinzas, por exemplo – são medidas que podem reduzir as emissões de GEE que se libertam destas zonas (principalmente metano) e ajudar a restaurar a vegetação original, transformando estes ecossistemas em sumidouros líquidos de longo prazo.

Embora o restauro de zonas húmidas possa aumentar temporariamente as emissões de metano, os benefícios perduram por muito tempo e têm impacte positivo a outros níveis, como na biodiversidade, por exemplo, pelo que tendem a superar os riscos.

 

As florestas europeias e o seu contributo para as metas climáticas

 

Para alcançar as metas de neutralidade carbónica traçadas para 2050, compensando as emissões que são difíceis (ou impossíveis) de reduzir, a União Europeia depende fortemente das florestas (do chamado sector LULUFC – sigla inglesa para Uso do Solo, Alterações do Uso do Solo e Florestas).

O objetivo traçado para 2030 requer que este sector, onde está incluída a floresta, possa alcançar uma remoção líquida anual de 310 megatoneladas de CO2eq (quantidade de GEE contabilizados como se todos eles fossem equivalentes a CO2). Já as projeções para as metas de 2050 indicam que o setor LULUCF precisará de remover 333 milhões de toneladas de CO2eq por ano.

No passado, as florestas e os produtos derivados da madeira removiam anualmente mais do que estas quantidades: estimava-se um contributo de cerca de 380 megatoneladas anuais, que compensava perto de 10% das emissões dos 27 países da UE. No entanto, esta capacidade de sequestro de carbono das florestas europeias tem vindo a reduzir-se nas últimas décadas, em parte devido ao envelhecimento das florestas e aos efeitos das alterações climáticas, incluindo-se os incêndios, as pragas e os fenómenos climáticos (por exemplo, tempestades que derrubam árvores ou secas que as fragilizam).

De acordo com o “Annual European Union greenhouse gas – inventory 1990–2021 and inventory report 2023, em 2021, o contributo do sector LULUCF para a remoção foi de 230 Mt CO2eq, abaixo do objetivo anual pretendido. A manterem-se as práticas correntes poderá reduzir-se ainda mais.

A maioria das reservas de carbono florestal encontra-se no solo (mais de metade). No entanto, mais de 60-70% dos solos europeus estão degradados devido a práticas de gestão insustentáveis, o que leva os solos (em geral) a serem emissores líquidos de CO2.

Os solos, incluindo o solo florestal, o solo mineral e as turfeiras (zonas húmidas), armazenam quantidades significativas de carbono orgânico, com valores médios de 22, 108 e 578 toneladas por hectare, respetivamente, refere o relatório. Várias das práticas aconselhadas são, por isso dirigidas ao aumento do sequestro pelo solo e à redução das perdas (emissões) de carbono no solo. A sua ampla adoção poderia resultar na mitigação de 150 a 350 megatoneladas de CO2eq por ano, transformando de novo os solos da UE em sumidouros líquidos de carbono.

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O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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