Os bens alimentares já não são bens adquiridos.
Hoje, poucas ou nenhumas garantias temos, de que, amanhã iremos ao supermercado e poderemos trazer a quantidade de alimentos que pretendemos. Abastecer a despensa além de ficar mais caro poderá já não ser possível.
Só há poucos meses é que os portugueses sentiram os efeitos da inflação e atribuem à guerra a causa deste aumento. Infelizmente nós, os agricultores, começamos a sentir o aumento dos custos de produção em 2021, custos esses que se acentuaram significativamente com a guerra.
Vivemos num mundo global e, como tal, um acontecimento numa determinada zona do globo compromete a economia mundial e por isso CULTIVAR HOJE É UM INVESTIMENTO DE RISCO. Produzi 1l de leite, 1 kg de carne, 1 kg de alface hoje, fica muito mais caro que há um ano atrás e não pode ser o agricultor a suportar os custos da inflação.
Vivemos a tempestade perfeita:
- sucessivos governos que desvalorizaram a agricultura;
- decisões políticas que não conseguiram captar e manter os jovens na agricultura;
- pandemia;
- guerra;
- aumento do custo dos fatores de produção;
- seca;
- concorrência dos mercados estrangeiros.
Ser agricultor é um negócio de risco: semeamos, sem a certeza de que iremos colher, somos afetados pelo clima e não conseguimos prever, sequer, o preço a que iremos vender o nosso produto.
Neste momento existe muita procura e a oferta é reduzida, logo se o mercado nacional não valorizar a produção, teremos que exportar, pondo em causa a soberania alimentar portuguesa. Nos dias de hoje, se o consumidor não tiver disposto a suportar os custos de produção vai deixar de ter alimentos nas prateleiras, porque não podemos continuar a produzir abaixo do custo de produção, como tem acontecido nos últimos anos.
O PAPEL DA INDÚSTRIA
Durante muitos anos a indústria “esmagou” a produção pagando preços baixos que não permitiam sequer suportar os custos. Foram os subsídios que nos permitiram equilibrar as contas e manter o preço ao consumidor.
A título de exemplo, podemos analisar o caso do leite. O preço pago aos produtores portugueses é dos mais baixos da Europa. Estamos abaixo da média europeia desde 2010, na cauda da Europa desde 2015 e ocupamos o último lugar nos últimos dois anos. Pagar um preço justo à produção é garantir a sobrevivência do setor agrícola português.
O PAPEL DA GRANDE DISTRIBUIÇÃO
A escassez de produtos agrícolas fez com que só há cerca de dois meses é que a grande distribuição aumentasse ao consumidor o preço. Fruto de um conjunto de fatores (anteriormente enumerados), as empresas lácteas espanholas têm feito abordagens (“agressivas”) a muitos produtores com o objetivo de adquirir as suas produções. Muito do leite nacional está hoje a ser comercializado diretamente para Espanha e prevê-se que aumente até ao final do ano.
Se hoje já assistimos a falta de leite nas prateleiras de alguns supermercados esta situação tenderá a acentuar-se nos próximos tempos.
O nosso compromisso é com as pessoas. Trabalhamos para alimentar as pessoas, mas precisamos de ser ressarcidos de forma justa pelo nosso trabalho.
Os próximos tempos serão desafiantes, mas estou confiante que a situação que hoje vivemos aclara a importância de trabalhar em equipa. Desde a produção à distribuição, todos temos um papel importante e é necessário criar sinergias, unir esforços para encontrarmos o equilíbrio no mercado interno de modo a garantir a soberania alimentar.
Vice–Presidente da APROLEP