Dar a cara pelo queijo Português – Pedro Pimentel

O queijo é uma das mais ‘nobres’ e mais interessantes formas de transformar e valorizar o leite, é um produto de uma incrível diversidade e é, para muitos, uma fonte de paixões (e também de alguns ódios de estimação). Contudo, em Portugal não construiu ainda em torno de si um verdadeiro ecossistema, não revelou ainda à sua volta o que podemos designar como uma cultura do queijo.

Portugal tem uma ancestral tradição na produção de queijo, em especial dos que utilizam como matéria-prima o leite de pequenos ruminantes (cabra, ovelha) e possui uma razoável lista de queijos que obtiveram o reconhecimento de especificidade proporcionado pelos selos de reconhecimento de qualidade protegida da União Europeia (denominação de origem protegida, indicação geográfica protegida).

Possui para além disso, interessantes produções que ultrapassam as fronteiras geográficas daquelas denominações e que não se cingem a cadernos de produção obrigatórios, mas que com um cunho mais artesanal ou de uma forma mais massificada, oferecem excelentes alternativas ao consumidor.

Apesar disto, apesar das situações que – em vários momentos – afectaram outras proteínas de origem animal, apesar de ser um produto adequável a novos grupos de consumidores (por exemplo, os séniores) e à velocidade da nossa vida actual (por exemplo, os jantares tardios), apesar de ser um produto facilmente maridável com outros (por exemplo, o vinho) em relação aos quais há um verdadeiro culto no nosso país, apesar de ser um produto com todas as características para se afirmar junto do crescente número de consumidores entusiastas de uma alimentação e um estilo de vida ‘epicurista’…

Apesar de tudo isto, o consumo de queijo em Portugal não descola dos actuais 10-11 kg per capita e não se aproxima da média europeia (17-18 kg) ou, menos ainda, dos consumos ‘estratosféricos’, bem acima dos 20 kg/hab/ano de países como a França, a Itália, a Suíça, a Grécia, a Holanda ou a Dinamarca.

E acrescente-se que mais de 30% do consumo de queijo em Portugal se faz com a respectiva incorporação noutros produtos alimentares e não através do seu consumo directo…

Ou recorde-se que, utilizando uma razão de 10 litros de leite para um quilo de queijo, aumentar a capitação nacional em 1 kg, significa dar destino e, acima de tudo, valorização, a 100 milhões de litros de leite por ano.

Claro que produtores, transformadores e apreciadores, desejariam que o consumo em Portugal se colocasse rapidamente ao nível da média europeia, o que representaria um verdadeiro salto quântico na dimensão da fileira no nosso país, mas de uma forma racional e até considerando o histórico das últimas décadas, é fácil perceber que essa ambição é altamente improvável.

Assentemos os pés no chão: aumentar o consumo per capita de queijo, significa, desde logo, conquistar quota no estômago e quota na carteira dos portugueses. Considerando que a alimentação em Portugal apresenta sinais consistentes de maturidade e que a evolução do mercado se faz bastante mais pela via do valor do que volume, tal significa que mais consumo de queijo, em muitas circunstâncias, significará menos consumo de produtos concorrentes ou complementares.

Mas isso é possível introduzindo ao consumo crianças e jovens; convencendo quem já hoje consome a alargar o seu leque de escolha e de preferências; oferecendo uma verdadeira tábuas de queijos portugueses aos apreciadores e a quem nos visita; conquistando para Portugal o reconhecimento como um país-referência no mundo do queijo e, consequentemente, conquistando para os queijos portugueses um lugar ao sol no panorama internacional.

Por outro lado, um apreciador de queijo não quer apenas comer um tipo ou uma marca de queijo, quer poder diversificar o seu consumo, com diferentes escolhas para diferentes momentos e vai construindo as suas preferências na justa medida em que vai conhecendo a enorme paleta de sabores, texturas e odores que os queijos portugueses, e os de muitas outras proveniências, lhe oferecem.

Penso, pois, que o desígnio do queijo em Portugal será o de uma longa caminhada de pequenos passos… a de optar por pensar, não em saltos quânticos, mas num quilo de cada vez!

Deixo aqui dez pistas que, pelo menos em minha opinião, poderão contribuir para esse objectivo…

1.     Comunicar o queijo para diferentes momentos de consumo, fugindo do chavão da fatia de queijo para colocar no pão ao pequeno-almoço ou a meio da tarde;

2.     Aproximar o queijo da gastronomia nacional; Portugal possui uma gastronomia rica e reconhecida, mas, muito raramente, o queijo a integra, pelo que dever-se-ia aproveitar os novos expoentes da cozinha portuguesa e a reinvenção que estão a fazer da nossa gastronomia para facilitar esse ‘namoro’;

3.     Reforçar a presença de tábuas de queijo na melhor restauração do nosso país; os turistas que nos visitam não desejarão experimentar em Portugal um brie de supermercado ou uma imitação de manchego; os apreciadores portugueses gostarão de perceber que na restauração que visitam o queijo é ‘acarinhado’ e que quem o propõe saiba dar um mínimo de informação sobre aquilo que serve;

4.     Apostar em novas propostas a nível de produto, tendo a coragem de avançar para novos tipos de queijo (em especial, com leite de vaca), maiores tempos de cura, novos formatos, novas formas de apresentação;

5.     Melhorar a oferta dentro dos espaços da moderna distribuição, combinando uma mais ampla diversidade no livre-serviço com mais qualidade e aconselhamento nos balcões de charcutaria;

6.     Apostar em espaços de comercialização especializados, com ou sem consumo no local, espaços que se podem converter em locais privilegiados de construção e divulgação da ‘cultura’ do queijo;

7.     Superar os preconceitos nutricionais, desmistificando ideias feitas, compilando informação científica favorável, apelando à sua introdução em propostas de alimentação saudável;

8.     Reforçar o conhecimento internacional dos queijos portugueses, muito em especial dos queijos com especificidades que possam impressionar os consumidores e apreciadores a nível internacional; aposta num conceito de tábua portuguesa; elevação de Portugal ao patamar mais alto dos países com tradição na produção e consumo de queijo;´

9.     Ocupar um espaço de comunicação mais amplo, reforçando a presença sistemática em publicações e emissões, aproveitando quer a vaga de programas relacionados com a culinária, quer os espaços relacionados com gastronomia, enologia ou epicurismo;

10. Identificar e preparar um conjunto de técnicos e apreciadores que possam corporizar o queijo no campo da comunicação; pessoas que possam dar a cara pelo queijo português; pessoas que possam dar a cara pelo queijo em Portugal.

Pedro Pimentel

Diretor Geral da Centromarca


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