Das palavras aos actos – Pedro Pimentel

Foi dado a conhecer o Programa do XIX Governo Constitucional que acaba por não trazer grandes surpresas. O acordo assinado com a célebre Troika e o programa eleitoral dos partidos que suportam este Governo de Coligação e, muito em especial, o Programa do PSD, eram já suficientemente detalhados para permitir adivinhar, em larga medida, o conteúdo do documento agora apresentado.

O Acordo que PS, PSD e CDS concordaram assinar com a Comissão Europeia, o BCE e o FMI, seja pelo elevadíssimo montante do empréstimo que lhe serve de justificação, seja pela urgência com que foi negociado, prevê condições (muitas delas amplíssimas mudanças de paradigma e outras, verdadeiras reformas estruturais) que – noutras circunstâncias menos excepcionais – aquelas forças políticas dificilmente estariam disponíveis a aceitar, nem acederiam a arcar com os respectivos custos políticos e sociais. Mas, para grandes males, grandes remédios…

É óbvio que, durante muito tempo, a Troika terá ‘costas largas’ e, muito em especial aqueles que nos conduziram a este ‘buraco’, não terão qualquer pejo em esquecer as suas responsabilidades no momento de criticar a acção de quem terá que colocar estas exigentes medidas em prática.

Quem nos governa terá que passar DAS PALAVRAS AOS ACTOS, terá de apostar numa aplicação cuidada do seu programa, terá de evitar esperanças vãs, mas também pessimismos excessivos e terá, acima de tudo, de fazer perceber aos cidadãos e, em especial, aos contribuintes, que os sacrifícios que são exigidos são difíceis mas justos, são pesados mas proporcionais, piorarão a nossa qualidade de vida, mas não serão ‘furados’ por excepções de todo o tipo. É preciso que todos percebam que o Acordo estabelecido era o necessário e que não foi assinado apenas porque isso era, naquele momento, exigido para que o dinheiro fosse emprestado ao nosso país e não para que, a seguir, se entrasse no “logo se vê”!…

Contudo, é também fundamental que a respectiva aplicação seja extremamente cuidadosa, sob pena de em vez de morrermos da ‘doença’, virmos, logo de seguida, a morrer da ‘cura’. Não é possível continuar a arrastar cadáveres, mas as medidas a implementar não podem conduzir à aniquilação de empresas e de postos de trabalho viáveis.

Uma das áreas em que tal risco pode vir a ocorrer é a que diz respeito ao IVA. A necessidade, facilmente entendível, de captar mais receitas fiscais não pode, nem deve, ser feita à custa de alguns produtos, de algumas empresas, de alguns postos de trabalho. Vimos de há muito defendendo a necessidade de uma revisão cuidada das Listas I e II do Código do IVA (produtos à taxa reduzida e à taxa intermédia, respectivamente), mas uma revisão motivada por questões de racionalidade legal e económica e não por mero imperativo de aumento de receitas.

Nesta última óptica, até do ponto de vista da maximização do respectivo impacto nas receitas, será preferível adoptar decisões proporcionadas e salomónicas, não penalizando produtos específicos, empresas específicas, trabalhadores específicos. E, ao mesmo tempo, cuidar da forma como é feita a repassagem do efeito desse eventual agravamento fiscal. Todos nos lembramos do que repetidamente acontece e convém recordar o ocorrido em Julho de 2010, a quando do agravamento intercalar do IVA, em que a não actuação das autoridades competentes e as hipócritas mensagens de governantes (solicitando que esse aumento não fosse transmitido aos consumidores) permitiram aos distribuidores converter incrementos fiscais em novas penalizações às margens dos seus fornecedores.

NOTA: Nas últimas semanas, várias cadeias de distribuição e, muito em especial, os dois maiores operadores têm-se multiplicado em acções mediáticas tentando dar a conhecer o seu ‘apoio’ à produção nacional. Dos mega picnics às frutas amadurecidas em Portugal, tudo serve para ‘atirar areia aos olhos’ do consumidor sendo que – ao mesmo tempo que não param de ‘espremer’ os seu fornecedores – tentam esconder a triste realidade de esses mesmos operadores se haverem progressivamente convertido em alguns dos maiores importadores nacionais. Exige-se, sem dúvida, uma muito maior atenção do poder político nesta matéria e, também aqui, que esses distribuidores passem DAS PALAVRAS AOS ACTOS…

Pedro Pimentel
Presidente da Direcção da Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios (ANIL)

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