O javali (Sus scrofa L.) é, presentemente, um dos ungulados com maior distribuição a nível mundial. A importância histórica, ecológica e económica desta espécie deve-se a diversos aspectos, de entre os quais se destacam a sua elevada tolerância e capacidade de adaptação a diferentes climas e habitats, a sua grande prolificidade, a complexidade dos seus comportamentos e organização social, o seu grande tamanho relativo e os seus hábitos omnívoros. Ao longo dos últimos 30 anos o javali tornou-se a espécie de caça maior mais importante nos países Europeus e, simultaneamente, a maior ameaça potencial às culturas agrícolas. Esta situação tem atraído um crescente número de cientistas, investigadores, técnicos florestais e agrícolas, gestores agrícolas, florestais e cinegéticos, caçadores e agricultores que tentam encarar este novo fenómeno, tendo por base uma gestão adequada e sustentável dos recursos.
Neste sentido, e tendo em vista o desenvolvimento de estratégias de gestão populacional deste ungulado, foram realizados, durante cerca de 10 anos, vários estudos das populações de javalis da Região Centro de Portugal e do Sudeste Polaco. Apesar destas duas regiões biogeográficas serem predominantemente montanhosas, o clima, o coberto vegetal, as práticas agrícolas e florestais e a gestão e o ordenamento cinegéticos são diferentes.
Em ambas as regiões foi avaliada a selecção de habitat por parte desta espécie, tendo em linha de conta várias variáveis ambientais, tais como o coberto florestal e agrícola e ainda os dados provenientes da actividade cinegética e de índices de densidades populacionais (“snow track índex”). Verificou-se que em ambas as regiões o javali prefere florestas de folhosas.
A estimativa do número de javalis e das densidades populacionais é considerada fundamental na gestão das suas populações. Através da “Carpathian Technique”, que é baseada na relação entre a densidade absoluta (N/1000ha de floresta) e o índice de densidade obtido através de transeptos efectuados na neve (T/Km/dia), foram estimados os números de javalis e as suas densidades populacionais na Polónia, salientando a importância da utilização de técnicas de censos fidedignas de forma a elaborar planos de exploração cinegética anuais mais ajustados à realidade.
A monitorização da população de javali no centro de Portugal, permitiu avaliar vários parâmetros reprodutivos desta espécie, tais como o estatuto reprodutor das fêmeas, a sua idade e peso na puberdade, o tamanho médio das ninhadas, a razão entre sexos dos fetos, a taxa de ovulação, a mortalidade intra-uterina e pós-natal e a fenologia reprodutiva das fêmeas, que são ferramentas básicas para os gestores cinegéticos.
Os estudos realizados demonstram o grande potencial desta espécie como recurso silvestre sustentável e altamente produtivo. O desafio da sua gestão, num meio florestal e agrícola em permanente alteração, passa por uma minimização dos estragos na agricultura e por uma maximização da sua gestão florestal e cinegética. Contudo, todo este processo deverá basear-se no profundo conhecimento das populações de javali, da sua dinâmica populacional incluindo os factores de mortalidade e a taxa de recrutamento e da sua interacção com o alimento disponível. A implementação de programas de investigação aplicada às populações de javali poderá alterar a economia cinegética desta espécie e possibilitar a sua utilização na gestão e protecção florestal.
Carlos Fonseca
Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro
(*) – Resumo da Tese de Doutoramento com o mesmo título