Manuel Pinheiro

Direcções Regionais: afinal em que ficamos?

“Não há extinção das Direcções Regionais, ninguém vai concentrar no Porto ou em Évora ou em Coimbra ou em Lisboa ou em Faro as Direcções Regionais. A sede da DRAPN em Mirandela vai continuar a ser em Mirandela” (ECO, 26/11).

Prestado com esta clareza, o esclarecimento da Ministra da Agricultura procurou trazer alguma paz a um sector que se uniu em surpresa e rejeição quando, por via da colega Ministra da Coesão, ficou a saber que as Direcções Regionais de Agricultura iriam transitar para a tutela das CCDR’s, deixando o Ministério da Agricultura de ter serviços desconcentrados.

Criadas por António Barreto em 1977 num Governo presidido por Mário Soares, as Direcções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) prestaram relevantes serviços. Hoje não se justificam como postos de atendimento para entrega e levantamento de documentos. Encontraram, porém, novas competências, nomeadamente, na definição de políticas regionais que procuram dar resposta a necessidades específicas, no apoio às associações e planos regionais, na permanente ligação ao território, levando à Administração Central a visão das realidades de cada região. Enfim, reinventaram-se e fazem-no todos os dias.

Em momentos de crise, as DRAP’s são a “equipa de combate” do Ministério no terreno. É a elas que o Governo recorre quando é preciso correr contra o tempo na recepção e análise de candidaturas para um projecto que se vai esgotar, ou quando os incêndios ou uma geada arrasam uma região. Alguém que faça a conta a quantos kms faz por ano a viatura de um Director Regional e perceberá imediatamente esta ligação.

Imagina-se facilmente o que sucederá no futuro: acordamos um dia com uma monumental geada numa região, é urgente um relatório de prejuízos, o Secretário de Estado da Agricultura pede à Ministra da Agricultura para esta pedir à Ministra da Coesão, para esta pedir às CCDR’s, as quais lá farão os seus relatórios que enviarão pela mesma via. Entretanto uma das CDDR’s vai atrasar o relatório porque há um problema qualquer no relacionamento desta com o governo.

Os/as Directores Regionais não são representantes das regiões, não são políticos eleitos em cada região nem destas dependem. São dirigentes da Administração Central, desconcentrada. Por isso mesmo, e dado que originam nas regiões e nelas vivem e trabalham, acabam por ser os representantes ideais dos produtores. Quando um Director Regional precisa de sensibilizar o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), o Gabinete de Planeamento ou o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) para uma especificidade da sua região que justifica uma medida própria, fá-lo com uma dupla força: porque vem da região e porque é um colega dentro do mesmo Ministério. Não vem de fora, é da casa.

Se é certo que as declarações da Ministra da Agricultura vieram serenar o sector, não é fácil enquadrá-las com as declarações da Ministra Ana Abrunhosa, citada pela CNN: “A partir daí teremos CCDR mais fortes, mais capacitadas para planear o território, para promover o desenvolvimento regional e a coesão e com os meios para o fazer”. Percebemos o raciocínio, que não debatemos aqui, mas tal caminho não carece de referendo prévio previsto na Constituição?

Analisando a deliberação do Conselho de Ministros exarada em acta de 11 de Novembro, há competências que passam a ser partilhadas entre a Administração Central e as CDDR’s e outras que são transferidas. No que diz respeito à Agricultura, a deliberação parece ser clara no sentido de que estas serão transferidas.

O ponto de vista da agricultura não é conservador no sentido de querer que nada se inove. O que a agricultura precisa é que o Estado lhe preste os serviços essenciais e, a par disso, de ter interlocutores válidos em toda a Administração. Nesta linha, claro que as DRAP’s podem e devem beneficiar de melhorias. Precisamos que o Ministério e quem o lidera tenha sempre uma posição forte dentro do Governo: tão forte quanto a relevância estratégica que a agricultura deve ter para o País.

Vimos, por isso, com muita preocupação a saída da tutela das florestas do Ministério da Agricultura. A maioria dos agricultores são também produtores florestais. Com a mesma preocupação, o sector percebeu a visão de reengenharia da organização e informática que o Ministério pretende levar a cabo em parceria com uma prestigiada consultora. Não é pela informatização e simplificação de processos que, de resto, se cumprimenta. É pela visão de um Ministério centralizado que se relaciona directamente com Bruxelas, mas que delega para as CCDR’s o relacionamento com os agricultores. É que, mesmo os mais arreigados regionalistas, já perceberam que o que se debate não é a delegação de poderes reais nas CCDR’s.

Tendo servido para unir o sector, que esta polémica sirva agora para que se faça um debate alargado sobre a estrutura da administração que melhor sirva a agricultura. Às associações e confederações cabe a oportunidade de contribuir com propostas construtivas. Se o Ministério corresponder com abertura para ouvir e avaliar, esta “crise” pode afinal reforçar a agricultura e, com isso, o País.

Manuel Pinheiro

Gestor, Ex-presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes

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