suprimir incêndios

“É preciso discutir o regime sucessório” e “não podemos gastar mais dinheiro a suprimir incêndios”

O presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) defende descentralização de apoios e a aposta na prevenção. Tiago Oliveira considera que é preciso “resistir à armadilha do combate”.

Exatamente cinco anos depois do Conselho de Ministros extraordinário que lançou a reforma de todo o sistema de prevenção e combate aos incêndios, Tiago Oliveira – o homem escolhido para liderar essa missão – diz que os objetivos têm sido alcançados.
Em entrevista à Renascença, o presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) revela que estão em curso 80% das quase 100 medidas previstas na reforma, lembra que é um trabalho de fundo, complexo e demorado, mas também não esconde que nem sempre tem sido fácil.

Tiago Oliveira gostava de ver mais ação política, diz que a organização da floresta só se consegue com avanços legislativos que se arrastam, como por exemplo no regime sucessório ou com “uma reforma fiscal para mobilizar os empresários florestais”.
O presidente da AGIF diz não ter receio das avaliações técnicas que se fizerem deste ano de 2022. Pelo contrário, mostra-se ansioso por conhecer os resultados das avaliações aos grandes incêndios, em especial o da Serra da Estrela, e mostra abertura para integrar na reforma as sugestões que os especialistas venham a fazer.

É o rosto da reforma lançada em outubro de 2017. Cinco anos depois, que balanço faz?

Eu só sou o rosto, este tem sido um trabalho de equipa. Acho que está em curso uma grande transformação, que vai permitir implementar uma estratégia, que é o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, aprovado em 2020, que são 97 projetos, com com um orçamento total de 7 mil milhões de euros.

Há um edifício que foi montado, e os resultados surgiram. Reduziu-se para metade o número de ignições, conseguiu-se nos últimos cinco anos passar para metade a média da área ardida, e não houve fatalidades civis em incêndios, e esse foi o grande objetivo depois de 2017.

Infelizmente, houve três, quatro, cinco ou seis incêndios, em 2018 em Monchique, depois Vila de Rei, Proença nos anos anteriores, e este ano três grandes incêndios que juntos valem 46 mil hectares, ou seja, quase metade do que ardeu até agora: Serra da Estrela, Pombal, e Ourém, Murça e Vila Pouca de Aguiar.

Temos que perceber o que é que não correu bem ali.

Tendo em conta o que se viu este ano, o que é que se pode dizer do ritmo a que esta reforma está a ser implementada?

Construir este “edifício” é muito complexo, porque o problema em si é complexo. É um problema socioeconómico, e em função do planeamento é necessário verificar e monitorizar a execução, essa monitorização ser pública para ser transparente, e as entidades aprenderem com os erros e organicamente serem capazes de reconhecerem as falhas e melhorarem. Isto é um processo. Nada acontece por artes mágicas. Há aqui uma dinâmica de implementação que nos vai levar a manter o rumo.

Isto é uma maratona, não é um sprint, e portanto, eu acho que as pessoas têm que perceber que a transformação vai acontecendo. O importante é que todas as instituições, públicas e privadas, trabalhem em conjunto, mesmo que haja perspetivas diferentes.

Por exemplo, é preciso tratar três vezes mais a vegetação. O acumulado de 2021 foram 88.000 hectares feitos pelo ICNF, mas se os proprietários privados não aderirem, se não limparem à volta da sua casa motivados por um esquema de seguros, se empresas que consomem a madeira e o sobreiro não partilharem o valor com o proprietário, o proprietário desiste e abandona a terra. Este “edifício” não é só das entidades públicas.

É uma necessidade muito grande de criar uma dinâmica interdepartamental com estímulos económicos e fiscais, com políticas agrícolas orientadas para tratar com escala, no espaço e no tempo, um problema que representa mais de 70% do país.

É uma coisa mesmo profunda e séria, e a nossa obrigação aqui é mobilizar a equipa, fazer recomendações aos dois principais ministros, que são o do Ambiente e da Administração Interna, e ao primeiro-ministro, daquilo que vamos vendo, que não está tão bem e que precisa de ser melhorado.

Naturalmente, podiam fazer mais depressa, é verdade. Mas há a guerra, a pandemia, a crise. Há uma falta crónica de viabilidade e rentabilidade do país porque não é um país rico. Há debilidades culturais grandes e, portanto, temos que ir metendo pressão, e persistindo no caminho da mudança.

“Gerações futuras não vão gerir o minifúndio. Temos que encontrar soluções”

Este ano mostra-nos que estamos ainda longe de alguns objetivos, desde logo a área ardida e o número de ignições. Era suposto um e outro parâmetro serem, nesta altura, mais reduzidos.

O país tem de perceber que os incêndios vão estar sempre na nossa paisagem, e a proposta que nós apresentámos e que está na nossa estratégia é um país protegido dos incêndios florestais graves.

As pessoas foram protegidas. A tragédia florestal que aconteceu em Pombal, que aconteceu em Murça, em Vila Real, a tragédia humana e económica que aconteceu àquelas populações é significativa, mas nunca ninguém prometeu um país sem incêndios. O que temos de garantir é uma sociedade que coexiste melhor com os incêndios, e que as perdas são menores.

Ainda assim, os nossos números estão abaixo da média nacional e europeia, tanto a nível de área ardida como do número de ignições.

O que é que aconteceu este ano nalgumas zonas para que a área ardida fosse tão elevada? É para termos essas respostas que existe um centro de lições aprendidas, com todas as entidades sentadas à mesma mesa, para que possam reconhecer as debilidades orgânicas, reconhecer erros, e mais tarde, se houver apoio político, implementar melhorias.

E é preciso envolver as políticas públicas. Acho que os partidos políticos, em particular os que estão representados na Assembleia da República, têm uma responsabilidade muito grande em garantir a construção dos consensos entre os atores que têm perspetivas diferentes. Temos que ter uma política florestal ativa, uma política agrícola e uma política ambiental que vá às causas dos problemas. Para mim, o SIRESP, os meios aéreos, tudo isso, essas discussões são questões muito técnicas, que estão basicamente resolvidas na sua grande maioria.

Os partidos políticos têm de se focar em questões como o regime sucessório. Como é que as gerações futuras vão gerir o minifúndio? Não vão. Temos de encontrar soluções que permitam que as pessoas consigam administrar os terrenos de uma forma conjunta, sem perderem as suas propriedades.

São questões desta natureza que nos devem mobilizar, porque se estas questões estruturais não se alterarem de nada servem as vitórias de “Pirro”, e mais campanha menos campanha, porque a metodologia está mais volátil e está mais difícil, vamos ter um ano difícil outra vez e vamos tê-lo mesmo.

E porque é que essas reformas tão importantes não avançam? O primeiro-ministro é o mesmo que lançou a reforma. Agora até tem maioria absoluta.

Há um estudo do regime sucessório, apresentado há pouco tempo, que indica que 30% dos 11 milhões de prédios são heranças indivisas e, portanto, agora compete aos partidos na Assembleia alterar as leis para que depois o poder executivo, que é […]

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