Jorge Neves Presidente da Anpromis afirma que é altura de o Governo accionar o apoio previsto aos produtores de milho. Se a auto-suficiência é impossível, as reservas são fundamentais, diz.
“No seu conjunto, a Europa é o maior importador de milho e, consoante as épocas do ano, ou depende da América do Sul, ou depende da Ucrânia”, explica Jorge Neves. A falta de importações com origem no país que a Rússia invadiu a 24 de Fevereiro é ponto de partida para retomar a discussão sobre reservas estratégicas alimentares, exposição aos riscos de abastecimento, auto-suficiência do país e, espera o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis), sobre OGM (organismos geneticamente modificados) na Europa. Nos dois próximos dias, realiza-se o XIII Congresso Nacional do Milho.
O que é que aconteceu para as metas da Estratégia Nacional para a Promoção dos Cereais (ENPC) não serem cumpridas?
Existe um grupo de trabalho para a implementação da estratégia, que é composto pelo gabinete de planeamento do Ministério da Agricultura e elementos das associações ligadas ao sector, que fez um trabalho, primeiro de levantamento da situação até se chegar à própria estratégia, e depois do seu acompanhamento. Ao não se tomarem as decisões políticas, isso pode fazer com que o ritmo da estratégia seja maior ou menor. A estratégia foi aprovada no Governo anterior, ainda com dr. Capoulas Santos como ministro da Agricultura, e com a actual ministra [Maria do Céu Antunes] as coisas não evoluíram, e nalgumas situações até retrocederam.
Quando fala em retrocesso está a pensar no diálogo ou na parte da implementação das decisões políticas previstas na estratégia?
Estou a pensar concretamente numa decisão que foi anunciada pela sra. ministra em 2021, que seria a implementação de uma ajuda para o sector dos cereais já na campanha de 2022, e que, uns dias mais tarde, veio dizer que não havia condições para a implementação. Hoje, face àquilo que estamos a viver, seria um estímulo extremamente importante para não reduzirmos, mais ainda, as áreas que temos e para não diminuirmos ainda mais a nossa auto-suficiência, que já de si é baixíssima.
O INE tem destacado nos últimos boletins agrícolas anuais que nos encaminhamos, eventualmente já nesta campanha, para a menor área de cereais cultivada nos últimos 100 anos…
Temos que distinguir por um lado os cereais de Outono/Inverno dos cereais de regadio, que é o caso do milho. A nível de Outono/Inverno, a situação realmente é dramática, porque muitos desses cereais, se não a maioria, são instalados em áreas de sequeiro. Com a seca destes últimos meses, há searas que estão completamente perdidas e a produção vai ser muitíssimo mais baixa.
No conjunto, independentemente da seca, o que se passa é que, neste momento, face à pouca rentabilidade e atractividade da cultura face a outros cultivos, nomeadamente as culturas permanentes – olival, amendoal – em zonas onde poder-se-ia expandir a produção de milho a sério, como é o caso do Alqueva, a concorrência faz com que não haja estímulo para aumentar áreas. A questão agora é garantir a manutenção das áreas e, de alguma maneira, com os estímulos que estão consagrados na ENPC, ainda conseguir inverter esta situação e aumentar um pouco a nossa produção.
Porque o risco hoje, nos mercados mundiais, é altíssimo e a nossa quase total dependência expõe-nos a situações como a que esteve praticamente para ocorrer, que foi uma quebra no abastecimento de entrada de cereais em Portugal para alimentação animal e humana.
“Quebra” no sentido de não haver?
Sim, não haver. Nesta fase do ano as nossas importações de milho, que são na ordem das 120 mil toneladas por mês, vêm quase exclusivamente da Ucrânia. Quando os navios não conseguem sair sequer, não conseguimos [abastecimento]. A logística é de tal maneira complexa, e os próprios negócios – não se consegue reverter uma origem para encontrar outra origem alternativa. Cada país exportador tem os seus clientes, tem os seus negócios e os seus contratos firmados, não é de repente que vamos ali num instante buscar um navio de 80 mil toneladas – não é assim.
Portugal tinha que pensar muito seriamente em duas coisas: primeiro, aumentar um bocadinho o nível da sua auto-suficiência. Não podemos ter veleidades que alguma vez seremos auto-suficientes nisto – isso é impensável.
No milho […]