O Reino Unido quer demarcar-se da posição até aqui seguida pela União Europeia no que respeita à utilização da biotecnologia na agricultura. O governo de Boris Johnson quer uma regulamentação flexível, que lhe permita impulsionar a produção agrícola e ser mais competitivo.
Apesar de uma grande parte do mundo estar a adotar as novas tecnologias de melhoramento vegetal, a União Europeia insiste em manter rígidas as regras que regulamentam a utilização da biotecnologia na agricultura, perdendo oportunidades não só de investigação e de inovação, que poderiam impulsionar a sua produção agrícola, mas também comerciais.
Mas o Reino Unido parece não querer seguir os passos da UE nesta matéria. Logo após o Brexit, o País assumiu a intenção de desenvolver uma estrutura de política interna que lhe permitisse capitalizar oportunidades de comércio emergentes fora da União Europeia e alavancasse a sua considerável proficiência em investigação e inovação. Por isso, no que concerne à regulamentação das tecnologias genéticas de segunda geração, como a edição de genes, o Reino Unido pondera adotar uma aborgadem flexível e baseada na ciência.
Na década de 1980, a UE adotou uma “abordagem baseada em processos” na regulamentação dos produtos geneticamente modificados (GM) de primeira geração, focando-se no próprio processo de modificação genética e capturando todos os seus produtos, independentemente das suas propriedades, dentro de um regime regulatório comum desenvolvido especificamente para esse fim.
Essa abordagem contrastava com a abordagem baseada no produto adotada pelos Estados Unidos, com o foco nas propriedades do produto, nos seus benefícios e riscos. Essa divisão persiste até hoje, como observa o Relatório sobre Tecnologias Genéticas divulgado recentemente pelo Regulatory Horizons Council (RHC), do Reino Unido. O atual sistema regulatório da UE para organismos geneticamente modificados foi acusado de estabelecer deliberadamente uma barreira técnica ao comércio.
O relatório observa que muitos países, sobretudo africanos, com exceção da África do Sul, adotaram a abordagem da UE para regulamentar produtos GM, devido, em parte, ao interesse em facilitar as exportações agrícolas para a UE. O mesmo documento refere
que o sistema regulatório da UE, juntamente com “a própria abordagem preventiva e politizada para sua implementação”, resultou na ausência de qualquer adoção significativa de variedades GM na UE, embora a UE importe ração animal GM.
Outro obstáculo é a insistência da UE em reforçar o status quo agrupando todos os produtos de tecnologias genéticas sob a égide da modificação genética, levando o European Academies Science Advisory Council (EASAC) a exigir uma “reforma radical do quadro jurídico”. Se o Reino Unido adotar um esquema regulatório diferente, isso terá implicações significativas para o comércio, sublinha o relatório.
“Considerando os pontos fortes do Reino Unido em investigação e inovação em tecnologias genéticas de segunda geração, podemos esperar que a adaptação regulatória tenha um impacto muito significativo nas nossas capacidades de inovação futuras”, afirma o relatório. “Seguir este caminho terá implicações comerciais. Por exemplo, pode haver impactos negativos no comércio com a UE… No entanto, estarão abertas as oportunidades comerciais com a maior parte do resto do mundo fora da UE e, dada a atual falta de comércio da UE em produtos de tecnologias genéticas, é provável que o saldo para o Reino Unido seja positivo.”
O relatório também descreve alguns dos principais ganhos obtidos com a biotecnologia agrícola, que incluem resultados económicos favoráveis para os produtores, menor incidência de pragas, aumento da biodiversidade de insetos após a adoção de variedades resistentes a insetos, redução nas emissões de dióxido de carbono, melhoria do solo resultantes da agricultura de plantio direto e ganhos de produtividade. Um outro estudo descobriu que o custo da recusa da UE em permitir o cultivo de variedades GM de culturas essenciais totaliza atualmente 33 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Várias organizações internacionais, entre as quais o Regulatory Horizons Council (RHC), o European Academies Science Advisory Council (EASAC), a European Plant Science Organisation (EPSO), a European Seed Association (ESA), a Royal Swedish Academy of Agriculture and Forestry (KSLA), entre outras, manifestaram o seu apoio a uma alteração regulatória, defendendo que o foco deve estar no produto e nas suas propriedades e não na tecnologia genética usada para produzi-lo.
Leia a notícia original no Alliance for Science.
O artigo foi publicado originalmente em CiB – Centro de Informação de Biotecnologia.