Em Outubro de 2013 teremos eleições autárquicas. Para além das coligações ou candidatos já conhecidos ou esperados, quero deixar aqui dois apelos: ao envolvimento dos agricultores na vida autárquica e ao envolvimento das autarquias na agricultura.
Por opção pessoal, não tenciono envolver-me na política activa em qualquer cargo de relevo nos tempos mais próximos. Não o faço por desprezo da política ou dos políticos, o que seria discurso fácil nestes tempos em que sofremos na pele as consequências de décadas de política errada e não vemos luz ao fundo do túnel em que nos metemos. Acredito na democracia como forma de governo cheia de defeitos mas certamente menos má que qualquer anarquia ou ditadura de esquerda ou direita. Vejo a política como a forma de governar a “Pólis”, a cidade onde somos cidadãos e creio que a política será tão melhor quanto mais e melhores forem as opções para escolha dos eleitores. Tenho opinião e faço escolhas como cidadão eleitor, mas como independente fico numa posição mais equilibrada para representar os agricultores junto de qualquer força política (e não tenho tempo para tudo). Apesar disso, respeito os dirigentes agrícolas que tomem uma posição diferente e deixo aqui um apelo à participação dos agricultores na vida partidária e nas candidaturas autárquicas. Como cidadãos rurais, somos muitas vezes afastados pela distância, pelo preconceito e falta de tempo do governo da “cidade”. Temos direitos e deveres como cidadãos e temos, como agricultores, tarefas de produzir alimentos, ocupar o território, modelar a paisagem, preservar tradições, património e habitats naturais, de onde podemos levar conhecimento, experiência e valor para a gestão autárquica e onde ganhamos por intervir onde se decidem as regras que afectam o desenvolvimento da nossa actividade.
Recordo, por outro lado, um comunicado lançado em 2009 na AJADP com “propostas para a actuação das autarquias no desenvolvimento da agricultura.” Nesse tempo em que ainda reinavam Sócrates & Jaime Silva, as “novas tecnologias”, a economia dos serviços e a agricultura pouco importava, escrevi que “por vezes os autarcas deixam a agricultura para segundo plano, atribuindo a responsabilidade pelo sector ao Ministério da Agricultura ou a Bruxelas, onde se decide a PAC, Política Agrícola Comum. Efectivamente, as autarquias não são responsáveis pela política nacional ou comunitária, mas, a nível local, podem adoptar uma atitude positiva e activa relativamente ao sector agrícola.”
Agora que Portugal e o resto da europa já assumem a agricultura, as pescas e indústria como opções estratégicos, importa não gastar muito tempo a discutir quem abandonou a agricultura mas olhar o presente e futuro para decidir o que podemos fazer de concreto e positivo para desenvolver o sector e o meio envolvente. De forma sintética, recordo as propostas então apresentadas:
“1. Um regime especial para licenciamento das construções agrícolas, simplificado nos procedimentos, com isenção de taxas de urbanização para as construções existentes e uma taxa reduzida para as novas construções;
2. Discriminação positiva nos vários impostos municipais e nas percentagens dos impostos nacionais a que as autarquias têm direito;
3. Acesso à terra: Para disponibilizar terra aos jovens que se pretendam instalar na agricultura ou aos agricultores instalados que desejem aumentar a exploração agrícola, as autarquias podem disponibilizar terras de que seja proprietárias, podem promover o “arrendamento rural” como forma de ocupar terrenos incultos, criando um “banco de terras” e também aumentar o imposto municipal para os proprietários que recusem arrendar e tenham os terrenos incultos;
4. Criação de um prémio monetário para jovens que se instalem na agricultura, atribuído anualmente a todas as novas instalações ou, através de concurso, premiando os projectos mais inovadores e sustentáveis do ponto de vista económico e ambiental, de modo a premiar os melhores e promover os bons exemplos;
5. Promoção dos produtos agrícolas, facilitando a sua comercialização, colaborando com as cooperativas agrícolas e organizações de produtores já existentes ou apoiando a realização de feiras e exposições para a venda directa desses produtos;
6. Sensibilizar as superfícies comerciais, nomeadamente as grandes superfícies, para a comercialização dos produtos agrícolas da região;
7. Limpeza, pavimentação e alargamento dos caminhos rurais e florestais que são essenciais para a nossa actividade;
8. Limpeza dos cursos de água, da sua vegetação, lixo e tratamento dos esgotos que é fundamental para a utilização da água para rega;
9. Apoiar a formação e informação dos agricultores;
10. Facilitar a comunicação entre o sector agrícola e a sociedade envolvente, através da exposições temáticas e visitas das escolas a explorações agrícolas, para que as crianças descubram a origem dos alimentos e valorizem o trabalho dos agricultores.”
Creio que estas propostas permanecem actuais. Felizmente algumas foram já implementadas em várias autarquias mas porque não têm patente registada podem e devem ser replicadas noutros locais, mesmo com as restrições orçamentais. Haja vontade, imaginação e iniciativa para apoiar e desenvolver a agricultura. O futuro de Portugal e os eleitores acabarão por agradecer.
Carlos Neves
Nota do Editor:
Carlos Neves é produtor de leite em Árvore – Vila do Conde e Presidente da Associação dos Produtores de Leite de Portugal (APROLEP).
Participa ou participou nos corpos sociais de diversas organizações agrícolas (AJADP, AJAP, CAVC).