Francisco Gomes da Silva

Elos frágeis nas fileiras de base florestal

As Associações de Produtores Florestais e as Empresas Prestadoras de Serviço

O problema da(s) floresta(s) em Portugal é, na sua essência, um problema de economia: uma parte dos “produtos tradicionais” produzidos pelas florestas perderam o seu valor (i.e., não existe mercado que os valorize de forma adequada) e uma parte dos “novos produtos” que a floresta produz têm reconhecido valor (pela sociedade) mas não existem mecanismos que façam os seus consumidores/utilizadores pagar por eles o justo valor. E, sobre isto, existem cada vez mais sobrecustos, suportados pelos proprietários e gestores florestais, impostos por uma sociedade que olha a Floresta com cada vez maior desconfiança. E, no meio desta tempestade quase perfeita, dois elos essenciais das fileiras florestais – as Associações de Produtores Florestais e as Empresas Prestadoras de Serviço -, apresentam-se com fragilidades que a todos nos deviam preocupar. Expliquemo-nos.

As fileiras de base florestal em Portugal assentam sobre um vasto conjunto de proprietários e produtores florestais, que se caraterizam, com algumas exceções, por uma elevada debilidade económica e estrutural. Para isso contribui, por um lado, a estrutura fundiária de parte do nosso país e, por outro lado, o elevado nível de risco apercebido (e, muitas vezes, sentido) por esses proprietários (através de fatores de risco que se concretizam com elevada frequência) que impacta de forma relevante na rentabilidade das áreas florestais que gerem.

De entre os fatores de risco acima referidos, sublinharia a importância do risco associado à valorização económica de diversos produtos oriundos da Floresta ao mesmo tempo que a componente do “custo de exploração” (e às vezes de investimento) ligado à tentativa de valorização desses produtos tende a aumentar. Refiro-me às crescentes exigências que vão recaindo sobre os proprietários e gestores da Floresta em matéria de “limpeza dos terrenos” (com custos a suportar pelos próprios), em matéria de desenho da paisagem e noutras matérias ligadas com a produção de outros bens e serviços que a sociedade cada vez mais valoriza, mas que o mercado não remunera.

A consciência de que assim é tem vindo, embora muito lentamente, a ganhar terreno. É já frequente ouvirmos os responsáveis políticos abordar a necessidade de o Estado remunerar de forma adequada, e em nome da sociedade que representa, os chamados “serviços dos ecossistemas”. Mas o caminho será ainda longo e, até lá, novos custos irão recaindo sobre a Floresta, condicionando ainda mais a margem de manobra em matéria da sua gestão, desembocando com frequência na única opção vista como possível: o abandono.

Estas fragilidades, que se têm acentuado ao longo do tempo, e que reduzem de forma muito significativa o valor gerado e captado pelos produtores florestais, tendem a repercutir-se ao longo das fileiras, com impactos particularmente preocupantes a dois níveis:

  • no associativismo florestal, que tem cada vez maiores dificuldades em viabilizar a sua existência de forma a poder desempenhar os seus múltiplos papéis;
  • nas empresas prestadoras de serviços, que encontram junto dos produtores (o seu mercado) cada vez menos “valor” para remunerar os serviços que é suposto prestarem.

Em relação ao associativismo, a situação é particularmente preocupante. Recorde-se que estamos a falar de uma floresta que é privada, assente em algumas centenas de milhares de proprietários, muitos deles com reduzidas competências e formação, e com inúmeras dificuldades no acesso à tecnologia e aos mercados e responsáveis pela gestão de uma floresta particularmente necessitada. Nestas circunstâncias, o associativismo pode (e deve) desempenhar um papel crucial. Em Portugal, as Associações de Produtores Florestais já deram, aliás, provas disso mesmo. São peças essenciais na interlocução com o poder político e com o poder económico (indústrias e unidades de transformação), dando voz aos seus associados. Têm um papel único na capacidade de disponibilizar formação aos seus associados. São fóruns de debate e de procura incessante de soluções, quer a nível técnico e organizacional quer a nível comercial.

Ao contrário daquilo que se verifica com o associativismo de base agrícola, que tem sido (e bem) estimulado e financiado com instrumentos diversos, o associativismo de base florestal não beneficia de um modelo de financiamento estável, eficaz e transparente que lhe permita o desempenho das suas importantes funções. E era importante que beneficiasse. Numa época em que a Política Florestal parece virar-se cada vez mais para a intervenção pública sobre a coisa privada (sobre ela impondo servidões e ónus diversos, a bem dos desejos da sociedade), seria importante que tal mecanismo fosse criado. Estas Associações são peças essenciais para estruturar a gestão dos espaços florestais, podendo ver o seu financiamento determinado pelas funções que exercem. Seria igualmente uma excelente oportunidade para que as Associações em causa se modernizassem e reinventassem, tendo em conta aquilo que delas se espera no futuro. Tal como os produtores florestais seus associados, muitas Associações asseguram, elas próprias, a produção de verdadeiros bens públicos que o mercado não remunera. Não será certamente por falta de instrumentos financeiros (entre o PRR, o futuro PDR e o Fundo Ambiental) nem por falta de peso político da Floresta que este mecanismo de financiamento não será criado.

Um segundo elo que, nas fileiras de base florestal, evidencia fragilidades crescentes é o das empresas prestadoras de serviços. Recordemos que, na realidade nacional, é sobre estas empresas que assenta a quase totalidade da capacidade operacional em espaços florestais, corporizado na quase totalidade do parque de máquinas que opera na floresta. Numa situação de “floresta próspera”, estes prestadores de serviços não têm normalmente dificuldade em ver os seus serviços remunerados de forma adequada pelos proprietários e gestores florestais. Mas num processo de perca de valor das fileiras em causa, estes prestadores de serviço enfrentam dificuldades crescentes.

Também aqui a situação é muito diferente da que se observa nas fileiras de base agrícola, em que a parte mais significativa do equipamento é detida pelos agricultores e apenas algum equipamento mais especializado é utilizado em regime de prestação de serviços. Na Floresta, o enfraquecimento destes prestadores de serviços, e a obsolescência dos equipamentos que operam, poderá vir a traduzir-se numa redução efetiva da capacidade operacional sobre os espaços florestais. E é importante que tenhamos presente que estes prestadores de serviço tanto são importantes para a floresta de produção como para a floresta de conservação e/ou de proteção.

Assim, e tal como para as Associações de Produtores Florestais, também para as Empresas Prestadoras de Serviços florestais se torna urgente estruturar um programa que permita que estas empresas se modernizem e adequem àquilo que delas se espera. A floresta, enquanto espaço económico e social agradece. Mas agradece sobretudo enquanto espaço de ecossistemas relativamente frágeis, e que devem ser “operados” com a melhor tecnologia e equipamento. Sim, a “Silvicultura 4.0” está à porta e, sem as empresas prestadoras de serviços, dificilmente entrará nas nossas florestas e, através delas, em muitos dos nossos territórios.

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Francisco Gomes da Silva
DIRECTOR GERAL
fgsilva@agroges.pt

O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.


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