Caro Henrique Pereira dos Santos, sendo eu leitor assíduo dos seus artigos e opiniões como defensor do meio rural, da floresta e de uma gestão fundamentada do território, tive um sobressalto quando li “Um iogurte e uma banana” no jornal eco. Felizmente o meu pequeno almoço de pão caseiro e iogurte também caseiro, em copos de vidro, feito com leite das nossas vacas, alimentadas com milho e erva dos nossos campos, era de fácil digestão, caso contrário teria ficado ainda mais incomodado depois de ler a sua crítica ao Presidente da República por escolher “um produto processado, vindo da fileira de produção de gado intensiva, como o iogurte, que exige consumo de energia em refrigeração durante todo o seu tempo de vida, embalado em pequenas porções que geram enormes quantidades de lixo, acompanhado de um fruto vindo de algures no mundo”.
Respeito que tenha preferido para o seu pequeno almoço “um prato de arroz de míscaros com meio copo de vinho branco”. Eu não sou produtor de vinho, não me cai bem fora das refeições principais, mas acho que na agricultura devemos ser solidários e a primeira manifestação da minha vida associativa, frente à Assembleia da República, foi quando o governo de Guterres tentou impor a taxa zero no álcool para os condutores, o que acabaria com o vinho às refeições.
Agora o que eu não consigo digerir é esse ataque à produção de leite (que já ouvi noutras intervenções) e à agricultura “intensiva”. Lamento, mas aqui na produção de leite no Minho ou na Beira Litoral, na produção de Banana na Madeira ou de hortícolas na Póvoa não dá para fazer agricultura extensiva, não há espaço para “estender”! Produzimos o leite suficiente para o país, graças ao nosso trabalho, ao trabalho de gerações que tornaram as férteis pequenas parcelas de terra, com o mato das bouças e o estrume dos bois, terras onde produzimos 80% da alimentação das vacas, equilibrada com 20% de rações baseadas em subprodutos da alimentação humana, nomeadamente bagaço de soja, bagaço de colza, polpa de citrinos e destilados de milho, entre outros. E com mais eficiência e agricultura de precisão, produzimos hoje o mesmo leite com menos animais, menor emissão de gazes de efeito de estufa e menor utilização de adubos químicos.
Insisto que o “mapa das vacas” encaixa no “mapa das áreas com menos incêndios”, não só porque os campos alternam com a floresta mas também porque, quando os incêndios apertam, as cisternas de levar o chorume das vacarias para fertilizar os campos também levam a água para as bouças e protegem as populações, e foram vários os casos na Trofa, em Barcelos e na Póvoa, nos últimos anos. Aqui os bombeiros não estão sozinhos, nos incêndios ou nas inundações onde as cisternas também tiram água de casas e garagens inundadas.
Já que gosta de variar, deixo então o desafio: Traga o vinho, os míscaros e a broa e venha ao local provar a vitela, os queijos e iogurtes feitos por gente daqui com leite, erva e milho locais!
Carlos Neves
Agricultor, produtor de leite e vice-presidente da Aprolep