Em matéria de azedos, os enchidos do Entrudo, cada um faz como quer

Toda a gente conhece as alheiras, mas só uns poucos ouviram falar de azedos. Devemos prová-los porque está na altura deles e isso é uma forma saborosa de homenagearmos os transmontanos.

Anos de convivência com transmontanos ensinaram-nos que por dá cá aquela palha levanta-se um pé-de-vento de fazer estremecer as paredes. Qualquer assunto serve. Os corruptos do costume, as vendas de barragens que não pagam impostos, as guerras entre concelhos (desporto regional), a perda de rendimentos dos agricultores, a degradação dos serviços públicos, os javalis que ficaram mansos e descarados, uma rotunda malparida, mexericos sobre figuras locais, o festival das pencas ou das cebolas novas, a comida em geral e – evidentemente – os enchidos.

Ainda está para nascer outro território que discuta, com tanta paixão, não a fixação dos ingredientes de uma receita, mas os ingredientes de um singelo enchido. E não, não falamos na alheira, mas do azedo. O azedo (ou chouriço azedo, alheirão ou alheira dos pobres) foi o último assunto transmontano que criou outra saborosa balbúrdia à mesa de um restaurante em Mirandela (só podia).

Num enquadramento rápido, diremos que o azedo é um enchido semelhante a uma alheira, mas com menos carne, menos condimentos e mais pão, colocado numa tripa grossa e que nos chega à mesa com um ligeiro acídulo (o tal azedo). Dito assim, é fácil. Mas, nesse tal jantar, no Adega, caímos na patetice de insinuar – com as mesuras de quem é das ilhas – que os azedos resultariam dos restos da massa das alheiras nos alguidares. O que fomos dizer!

A destruição do argumento começou com a tese de que a massa do azedo é sempre feita de raiz e nunca um sucedâneo da massa da alheira, passou depois para os temperos (com uns a garantirem que a avó nunca meteu alho na massa e outros a jurarem pela honra dos seus que, sem alho, nada feito) e acabou na tipologia necessária das tripas – a tripa de folhos – que, segundo um convidado presente, é o ingrediente essencial para que o enchido fique azedo. “Sem a tripa de folhos o azedo não azeda. Ponto final”, disse, como se estivesse a ditar o texto para um decreto de lei.

Na mesa por onde passavam rodelas de azedos em abundância, com grelos, batatas e azeite do bom, houve quem concordasse e houve quem torcesse o nariz; houve quem citasse documentos e houve quem ameaçasse ligar para cozinheiras que, àquela hora, já dormiam. Conclusão: Trás-os-Montes tem 5544 quilómetros quadrados, nove municípios e 107 mil habitantes.

Em matéria de enchidos, cada um faz como a mãe determinou e não lhe falem de cânones porque aquilo que os de Bragança pensam não faz lei em Macedo, Vinhais, Valpaços ou Chaves. Era só o que faltava. Aliás, os transmontanos precisam que os conterrâneos dos concelhos vizinhos façam as coisas de forma bem diferente. Caso contrário, com quem iriam eles gozar? Com os espanhóis? Nem pensar.

O azedo é um enchido popular que se […]

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