Manuel Chaveiro Soares

Em segurança alimentar importa ser rigoroso – Manuel Chaveiro Soares

Ao ler as propostas do Prof. Costa Silva para o Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030, foi com surpresa que deparei com a intenção de promover os produtos alimentares mais saudáveis, considerando como tais os que «não usam pesticidas nocivos e cancerígenos». Ora, como se sabe, todas as substâncias de produtos fitofarmacêuticos utilizados em Portugal são previamente avaliadas pelas entidades competentes da UE, incluindo dos Estados Membros e, ainda, sob escrutínio da Agência Europeia da Segurança dos Alimentos (EFSA) e da Comissão Europeia e são aprovadas a nível comunitário. Só depois deste processo podem ser autorizados os produtos fitofarmacêuticos no território de cada Estado Membro. Para o efeito, os mesmos são submetidos a estudos científicos rigorosos, tendo em atenção a saúde dos consumidores e dos agricultores, bem como os efeitos sobre o ambiente.

Os referidos estudos e os critérios comunitários definidos para a sua avaliação são actualizados, com elevado grau de exigência, à luz dos novos conhecimentos científicos, o que tem levado a retirar do mercado inúmeras substâncias activas. Paralelamente, são definidos limites máximos de resíduos (LMR) das substâncias e dos seus compostos de degradação, visando, entre outros aspectos associados ao comércio intra e intercomunitário dos produtos agrícolas, a garantia da saúde pública.

Por sua vez, em Portugal a autoridade sanitária competente (DGAV) executa anualmente o chamado Plano Nacional de Controlo de Resíduos de Pesticidas, cujos resultados nos deixam tranquilos relativamente ao definido pela referida EFSA. Acresce que algumas grandes cadeias alimentares definem níveis máximos de resíduos que podem estar presentes à colheita ainda inferiores aos LMR estipulados oficialmente, ou outro tipo de limitações quanto às substâncias pesticidas que podem ser usadas obrigando assim os agricultores a cuidados preventivos extremos.

Importa referir que em alimentação não existe risco zero, pois desde a simples batata à vulgar chávena de café encontram-se compostos químicos indesejáveis, mas em doses tão diminutas que não têm efeitos nocivos para os consumidores. Esse é o mesmo objectivo quando é autorizada a utilização de um produto fitofarmacêutico.

Por outro lado, recordo o papel relevante desempenhado pelos pesticidas. Desde logo, o primeiro a ser sintetizado (DDT) e usado em larga escala a partir de 1941, designadamente para o combate à malária, estimando-se que tenha prevenido cerca de 500 milhões de mortes. Ulteriormente veio a verificar-se que tinha efeitos negativos no ambiente mas, no que respeita à saúde pública, resultados de investigações publicadas em 2002 e 2006 por organizações internacionais (CDC e OMS) classificam o DDT como «ligeiramente danoso» para os seres humanos, acrescentando que tinha mais benefícios do que prejuízos em muitas situações, como é o caso dos campos de refugiados infestados por mosquitos, conforme sublinha o médico e admirável humanista Hans Rosling (cf. Factfulness, 2019).

Acresce que o presente ano foi proclamado o Ano Internacional da Fitossanidade, tendo a ONU declarado que «todos os anos até 40% das culturas alimentares são perdidas devido a pragas e doenças, o que deixa milhões de pessoas sem comida suficiente para comer e prejudica seriamente a agricultura». Sublinhe-se que um fungicida ao prevenir a formação de micotoxinas nos alimentos confere-lhes uma segurança de que não nos apercebemos facilmente, se bem que se saiba que as micotoxinas podem representar um risco para a saúde muito superior à toxicidade dos pesticidas sintéticos utilizados para combater os fungos (e os insectos que podem favorecer a infestação por bolores). Esta a razão por que cumpre ter em atenção o estado sanitário dos alimentos produzidos em modo de produção biológica, nos quais se excluiu a aplicação de pesticidas de síntese mas apenas destes, pois que neste modo de produção não está excluída a utilização de pesticidas de origem mineral ou orgânica.

 

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo, Ph.D.

Importância da Ciência na Saúde e na Alimentação – Manuel Chaveiro Soares

Contributo conjunto ANPROMIS e ANPOC: Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-30


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