Empresários timorenses têm que mudar o paradigma e investir na produção nacional – associação

O novo presidente da maior associação empresarial de Timor-Leste considera que o setor privado do país necessita de uma mudança de paradigma, para investir de forma mais séria na produção nacional, deixando de depender apenas de projetos do Governo.

Ao mesmo tempo, defendeu Jorge Serrano em entrevista à Lusa, as autoridades têm que garantir maior segurança jurídica e mais proteção aos investimentos, reduzindo custos como os da eletricidade e reforçando a aposta na formação nacional de quadros.

“As coisas não podem continuar com antes e há mais preocupação com o investimento nacional, com a estabilidade, o financiamento sério do setor privado, melhor gestão empresarial”, explicou o recém-empossado presidente da Câmara de Comércio e Indústria de Timor-Leste (CCI-TL).

“Neste mandato quero mudar a imagem de que os empresários dependem de projetos do Estado e contrato públicos. O tempo disso passou e não estamos em 2002 ou 2010, e por isso quero mudar esta imagem, dar novo ambiente e cultura à CCI”, afirmou.

Jorge Serrano, 52 anos e proprietário do grupo GMN – com interesses no setor dos media, turismo e hotelaria, entre outros – quer marcar uma viragem na forma como as empresas e todo o setor privado atuam.

Durante décadas muitos viveram dependentes de contratos de vários tipos com o Estado e apesar de alguns investimentos do lado do consumo, pouco ou nada tem sido investimento em produção nacional, que permitisse reduzir a quase total dependência do país das importações.

“Temos que nos concentrar mais na produção nacional, provendo parcerias nacionais e internacionais e contar com o ‘know-how’ de outros países, incluindo português. Abrir fábricas de telha, zinco, tijolos: produzir cá para assegurar o desenvolvimento nacional”, disse.

“A minha orientação mais para produção interna, não substituir tudo importado, mas o que podemos fazer. No tempo português havia fábrica de sabão, de aguardente, de tijolo. Hoje não podemos fazer isso, com nova tecnologia e ‘know-how’? É uma vergonha”, insiste.

Serrano é considerado um empresário próximo ao ex-presidente Xanana Gusmão, líder do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), atualmente na oposição.

Eleito no quarto congresso da CCI-TL, fundada em 2010, Serrano sucedeu na liderança da CCI-TL a Óscar Lima – empresário mais próximo à Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), um dos três partidos no atual Governo.

Apesar dessa aparente ‘mudança’ de cor política na liderança da maior organização empresarial do país, Serrano rejeita que a escolha sirva como “barómetro da situação política”, afirmando que traduz, antes sim, uma mudança de paradigma no setor privado nacional.

“Foi um congresso de profissionais, um congresso com qualidade, em que vimos pessoas com mais visão, com intervenções de maior qualidade, pessoas que vieram dos municípios com novo paradigma e pensamento”, disse.

Referindo-se ao processo de aprendizagem do setor empresarial timorense, e afirmando que claro que podem continuar a concorrer a projetos do Governo, Serrano insiste que é essencial mudar a mentalidade.

“Deixar de ficar só agarrados aos projetos, com mais produção, indústria e melhorar o comércio, dinamizar o mercado”, disse.

Para isso, ao mesmo tempo, é essencial corrigir problemas que continuam como a dificuldade no acesso ao crédito, “apesar de 1,5 mil milhões [de dólares] disponíveis nos quatro bancos”, com muitos empresários receosos de investir pela incerteza jurídica.

“A maioria não tem coragem de pedir dinheiro: primeiro porque não há lei de proteção sobre produção nacional, e o mercado é livre, mas tem que ser organizado, não é a cada cinco a dez metros uma loja, já temos mais lojas que consumidores”, sustentou.

“Segundo, a eletricidade é cara, ninguém investe com eletricidade cara”, disse.

Destacou, por exemplo, o risco de investir num terreno onde, posteriormente, possa haver disputas sobre o título de propriedade, gerando riscos adicionais que os investidores não querem correr.

“Os problemas estão identificados. Precisamos de clareza de leis aqui para assegurar isto. O país está aberto, o próprio Presidente em todas as visitas tem feito promoção do país e há grandes oportunidades, especialmente com a adesão à ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático] agora e até a vontade indonésia de abrir uma zona de ‘free-port’ com o enclave de Oecusse”, explica.

Mexidas, explica, que exigem que das próprias eleições saia “uma maioria absoluta ou uma coligação muito forte”, para fazer o que é necessário e evitar o cenário que diz ter sido de paralisação desde 2017.

“As pessoas estão preocupadas com a situação atual. Olham para a situação política desde 2017 até agora e não querem repetir isso. Querem consensos, uma maioria absoluta no Parlamento Nacional, uma solução política, um pontapé de saída nesta situação. Estamos com recessão económica global, inflação, problemas sérios que estamos a enfrentar. É preciso uma saída rápida para estes desafios”, disse.

“Há vontade, há dinheiro, há oportunidade, mas tem que haver uma boa política, especialmente política de proteção de investidores. Regularizar as coisas. E é preciso um bom líder, corajoso”, explicou.

Quer ainda que o Governo substitua o diesel, que alimenta as centrais elétricas do país por opções renováveis, que reduzam o custo, mais autoridade do Estado na cidade de Díli e no resto do país, para evitar a “anarquia” que se vive.

Serrano defendeu, por exemplo, suspender a atribuição de novas licenças para lojas de materiais de construção e de bens essenciais, “pelo menos durante um tempo”, melhorias no setor educativo e organizar o setor informal.

“As pessoas não entendem bem o conceito de mercado livre. É livre, mas é organizado. Saudável, com regras iguais para todos. Aqui temos tido mais a questão política. Alguns não querem perder votos, não querem intervir. Mas o próximo Governo tem que mexer”, sublinhou.


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