O argumento da crise económica só funciona para alguns, os que conseguem aproveitá-la para multiplicar a sua riqueza. O que está a acontecer é uma inaceitável, injusta e impiedosa transferência de vantagens económicas daqueles que vivem apenas do seu trabalho para aqueles que controlam as cadeias produtivas e de distribuição de bens de venda ao público
Contra factos não há argumentos.
De acordo com o INE, em 2022, a inflação situou-se em 7,8%. Por sua vez, de acordo com a Síntese Económica de Conjuntura publicada pelo INE, em 18 de janeiro de 2023, a inflação em produtos alimentares cifrou-se em 19,9% (bens alimentares e bebidas não alcóolicas), em 12,2% (alimentos não transformados) e em 11,2% (restaurantes e hoteis). Segundo a DECO, o cabaz alimentar essencial subiu 25,66%, entre março de 2022 e março de 2023, tendo passado de 183,64 € para 230,76 €.
Os salários vieram por aí abaixo. A função pública foi aumentada apenas em 0,9%, com base na inflação registada em 2021. Perdeu 6,9%, o que equivale a 1 (um) mês de salário, tendo por base 14 salários anuais. De acordo com o INE, o aumento médio dos salários (abrangendo setor privado) foi de 3,6%, correspondendo a uma perda efetiva de 4,2%. Curiosa e candidamente, em inquérito ao Banco de Portugal realizado em junho de 2022, os gestores de empresas afirmavam que iriam aumentar o salário dos seus trabalhadores em cerca de 5%. Chegados ao final do ano, constata-se que não são só os políticos quem incumpre promessas.
Mas esta queda do salário real não foi para tod@s. Para os gestores e cargos de topo, o aumento do salário nominal atingiu 9,6% (!), permitindo um ganho, só em 2022, de 1,8%. É caso para dizer, “bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz”.
E esta afronta para quem vive do esforço do seu trabalho não parou por aqui. Só até 30 de setembro de 2022, a SONAE aumentou os seus lucros em 33%. Como as contas apenas encerram em 31 de março, ainda não sabemos quanto mais lucrou durante os meses que antecederam o Natal (que são pródigos em subida do consumo). Mas sabemos já que as suas vendas subiram 11,5% em 2022. E o mesmo se diga do Grupo Jerónimo Martins, cujos lucros reportados à mesma data também subiram 29,3%, tendo as suas vendas, em 2022, crescido 21,5%.
O que justifica esta subida abrupta de preços de venda ao consumidor, ao mesmo tempo que sobem os lucros das empresas de distribuição alimentar? – pergunta-se, com incredulidade.
Responde-nos quem sofre da cegueira ideológica do “venha a mim”: subiram os custos da cadeia de produção. Vejamos, então, esses custos.
Depois do choque resultante da invasão militar russa à Ucrânia, os preços da energia já estabilizaram e voltaram aos níveis pré-guerra. A ERSE determinou que o aumento da eletricidade, no setor regulado, para 2023, seria de apenas 1,3%. A EDP decidiu baixá-la em 2,5% e a GALP Energia em 11%. Por sua vez, de acordo com dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, os preços dos combustíveis regressaram já a níveis anteriores à guerra na Ucrânia.
Acresce que o preço dos fertilizantes, que subiram abruptamente por força do bloqueio económico à Rússia (sua maior produtora), reduziram-se brutalmente durante o verão de 2022 e estabilizaram em valores muito inferiores ao seu pico, entre 2007 e 2008 (quando nunca se sentiu esta subida escandalosa do preço dos alimentos).
Por sua vez, como já se demonstrou, os custos médios com trabalhadores subiram apenas 3,6%.
Restaria o argumento do aumento do preço de compra aos produtores, para justificar esse volume imaginário da subida do preço na cadeia de produção. Acontece que a intensidade dessa subida é prontamente desmentida pelos próprios produtores. Mais do que isso. É desmentida pelos dados oficiais do INE, que demonstram que, em 2022, os custos de produção de bens de consumo aumentaram apenas 12,5%, pelo que foram muito inferiores à média da subida dos bens alimentares (19,9%) e ao aumento do cabaz alimentar essencial (25,66%).
Já para não falar na subida especulativa de alimentos essenciais, que têm sido vendido com margens de lucro ofensivas, tais como cebolas (52%), cenouras (45%) e ovos (43%). Por outro lado, de acordo com o Boletim Mensal de Agricultura e Pescas publicado pelo INE, em fevereiro de 2023 (que se reporta a dezembro de 2022), o índice de preços de […]