Era deserto e agora é um terreno agrícola fértil, onde crescem melancias

No Dubai, uma empresa norueguesa está a conseguir transformar solos arenosos, sem cultivo, em verdes plantações onde crescem melancias. Tudo através de nanotecnologia de argila líquida que leva nutrientes e água aos solos. O problema ainda é o custo.

Em apenas 40 dias, uma zona dos Emirados Árabes Unidos que era praticamente apenas areia transformou-se numa plantação de melancias. Em março deste ano, quando todo o mundo entrava no confinamento por causa da covid-19, esta mudança foi concretizada através do recurso a uma tecnologia de recuperação de solos que usa a nanoargila líquida, desenvolvida por uma start-up norueguesa.

Para chegar ao processo criado, é melhor recuar no tempo para conhecer o contexto. Na década de 1980, partes do Delta do Nilo, no Egito, pararam de florescer. Famoso pela fertilidade, foi um lugar de cultivo durante milhares de anos, apesar da proximidade com o deserto árido. A produtividade permitiu que os antigos egípcios desviassem as energias da agricultura de subsistência para o desenvolvimento de uma civilização poderosa que produziu feitos culturais que os tornaram famosos em todo o mundo milhares de anos depois. No entanto, apesar de apoiar comunidades na região ao longo dos milénios, a fecundidade enfraqueceu, como relata a BBC, na sua rubrica Follow the Food.

Os cientistas investigaram e concluíram que a queda na fertilidade da terra derivava da ausência de partículas de argila da bacia de drenagem da África Oriental que alimenta o Nilo e que eram depositadas nas terras do delta. A argila deu ao solo as suas resiliência e fertilidade. Desapareceu devido à construção da Barragem de Aswan, no Nilo, no sul do Egito, durante a década de 1960. Esta estrutura foi construída para gerar eletricidade e regular inundações para que a agricultura pudesse se tornar mais previsível. Mas também impediu que a argila fluísse rio abaixo. Uma década depois toda a fertilidade dos solos do delta estava esgotada.

Com a descoberta do problema, fez-se luz para o início de uma solução. “É como o que se pode ver no seu jardim”, explica Ole Sivertsen, diretor-executivo da Desert Control, empresa com sede na Noruega que desenvolveu a abordagem de nanoargila líquida. “Solos finos não conseguem manter a humidade ou permitir que as plantas se desenvolvam. Mas a presença de argila nas proporções certas pode mudar drasticamente tudo isso.”

A Desert Control planeia usar a nanoargila para levar terras desérticas “da areia à esperança”. Isto só é possível graças à inovação produzida pela startup norueguesa. Feita apenas com água e argila, a nanoargila líquida foi projetada para ser pulverizada sobre areia ou solo arenoso. Absorve e liga-se às partículas de areia, aumentando a retenção de água e enriquecendo o solo com nutrientes essenciais para as plantas.

De acordo com a start-up, a mistura aumenta a fertilidade de solos arenosos pobres em nutrientes e pode reduzir o uso de água para metade. Além disso, a argila líquida pode transformar terras áridas em cultiváveis ​​em apenas sete horas, diz a empresa.

O cultivo no deserto é uma alta prioridade dos Emirados Árabes Unidos, que querem aumentar a segurança alimentar. Atualmente, o país importa cerca de 90% dos alimentos.

Em 2018, a Desert Control fez uma parceria com o Centro Internacional de Agricultura Biosalina (ICBA) do Dubai para iniciar a realização de testes de laboratório e de campo. Em 2020, os laboratórios foram fechados devido à covid-19, mas os testes de campo estão a correr bem, disse Ismahane Elouafi, diretor-geral do ICBA. “Se o resultado continuar a ser positivo, poderá ser uma grande ajuda para os países com ambientes desérticos”, apontou.

“É uma inovação bastante invulgar”, admite Jacqueline Hannam, cientista de solos da Cranfield University, no Reino Unido. Solos ricos em argila retêm mais nutrientes e água, diz, o que “provavelmente” reduz a necessidade de irrigação. No entanto, Hannam alerta que os ecossistemas do deserto são frágeis. “Estamos a colocar algo diferente nesses ecossistemas que normalmente não estaria lá”, explica.

Para garantir que o ecossistema não é danificado, a Desert Control diz que era importante fazer parceria com um terceiro, como o ICBA, que tem experiência em certificar tecnologias agrícolas nesse tipo de ambientes. A principal hesitação de Elouafi em relação à argila líquida é o custo. Sivertsen diz que o preço do tratamento varia de 1,7 a 4,1 euros por metro quadrado.

O norueguês assegura que a Desert Control arrecadou 4,2 milhões de euros entre setembro de 2019 e março de 2020. Com esses recursos, a empresa está a desenvolver duas unidades que terão capacidade para produzir 40 mil litros de nanoargila líquida por hora, o suficiente para cobrir cerca de 1.000 a 2.000 metros quadrados de terreno.

“Se conseguirem reduzir o preço e torná-lo acessível para os países de menor rendimento, isso poderá ter um impacto realmente enorme na segurança alimentar e na capacidade de muitos desses países usarem as suas próprias terras de cultivo”, diz Elouafi. “Pode ser tremendo.”

O artigo foi publicado originalmente em DN.


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