Espanha vive guerra política e cultural sobre o consumo de carne

Em Espanha, o consumo de carne está a ser catalogado como sendo uma atitude de direita, contrapondo o vegetarianismo à esquerda. Fará sentido essa divisão? Políticos portugueses dizem que é um “disparate”.

Faltando pouco mais de uma semana para que Castela e Leão realizem as eleições regionais, as declarações polémicas do ministro do Consumo de Espanha, Alberto Garzón, sobre como a pecuária industrial está a prejudicar o ambiente e a levar à exportação de carne de baixa qualidade, mergulham o país num difícil tumulto político, onde as opiniões divergem, os deputados são atacados e ninguém se entende. A controvérsia esconde no fundo uma nova batalha cultural entre direita e esquerda pela transição ecológica, que agora se trava na campanha pré-eleitoral. Mas afinal, estaremos nós perante uma nova guerra política que tem como seu centro a carne?

As declarações de Garzón A “tempestade” começou um dia após o Natal, quando Garzón deu uma entrevista ao jornal britânico The Guardian. Nela, o ministro do Consumo de Espanha, defendeu o pastoreio tradicional “como meio ambientalmente sustentável de pecuária”, alertando as pessoas para o impacto negativo das chamadas “mega quintas” e sugerindo que estas mudem, de acordo com isso, os seus hábitos alimentares. “Comer menos carne terá um papel fundamental para ajudar a Espanha, tanto a mitigar os efeitos da emergência climática, como a desacelerar o processo de desertificação, protegendo assim a sua indústria de turismo vital”, começou por defender o ministro, acrescentando que as pessoas “sabem do papel que os gases do efeito estufa desempenham na mudança climática, mas tendem a vinculá-los aos carros e aos transportes”.

Segundo o mesmo, só muito recentemente as pessoas começaram a olhar para o impacto da cadeia de consumo de animais, principalmente para “o impacto da carne bovina”. “Outros países avançaram bastante nisso, mas na Espanha isso tem sido um tabu”, admitiu. O ministro explicou ainda que a geografia do país o torna “profundamente vulnerável às mudanças climáticas” e que os espanhóis que amam e conhecem o seu país, correm o risco de o ver “desaparecer para sempre”. “Se não agirmos, não será apenas com a mudança climática que lidaremos… Será uma crise tripla, da qual faz parte a perda de biodiversidade, a poluição e as mudanças climáticas”, sublinhou. Apesar disso, Garzón esclareceu que os espanhóis “não necessitam de parar literalmente de comer carne”, mas sim “diminuir o seu consumo” e, sobretudo, “garantir a sua boa qualidade”, tanto para o bem da saúde como para o do meio ambiente. Para si, a agricultura extensiva – tipo de agricultura caracterizada pelo uso de técnicas rudimentares ou tradicionais na produção – “é um meio ambientalmente sustentável de criação de gado que tem muito peso em partes da Espanha como Astúrias, Castela e Leão, Andaluzia e Extremadura”. “Isso é sustentável! O que não é nada sustentável são as chamadas ‘mega quintas’… Eles encontram uma aldeia, um pedaço despovoado da Espanha, e colocam quatro mil, cinco mil ou até 10 mil cabeças de gado. Poluem o solo, poluem a água e depois exportam essa carne de má qualidade de animais maltratados”, afirmou.

O ministro também apontou para um relatório recente que descobriu que 20 empresas de pecuária espanhola são responsáveis por mais emissões de gases de efeito estufa do que a Alemanha, Grã-Bretanha ou França. Garzón observou ainda que em média um espanhol come mais de 1 quilo de carne por semana, embora a agência de alimentos do país recomende que as pessoas comam entre 200g e 500g; e que Espanha come mais carne do que qualquer outro país da UE, matando 70 milhões de porcos, vacas, ovelhas, cabras, cavalos e pássaros a cada ano para produzir 7,6 milhões de toneladas de carne.

O “campo de batalha” Rapidamente as suas declarações foram amplamente ridicularizadas e rejeitadas pelos mais diversos partidos, ministros e deputados. O ministro da Agricultura defendeu que o setor agrícola está a ser submetido a “críticas profundamente injustas quando merece respeito pelo trabalho honesto que realiza tanto para a nossa alimentação quanto para nossa economia; Isabel Rodríguez, porta-voz do Governo, alegou que Garzón estava a falar a título pessoal, acrescentando que a pecuária é “uma prioridade absoluta” e elogiando a “altíssima qualidade” da produção. Afirmação rapidamente negada pelo responsável que defendeu ter feito as declarações “enquanto ministro do Consumo”: “Não há outra forma de o ver, tratando-se de uma matéria que também é da competência do Ministério do Consumo”, afirmou numa entrevista à Cadena Ser. “Não estou a dizer nada de novo. Estou apenas a retransmitir o que os cientistas dizem. Todos sabem que a criação industrial de carne causa poluição e emite gases de efeito estufa. A Europa abriu um processo contra Espanha por causa do nível excessivo de poluição”.

Em comunicado, o Partido dos Cidadãos, de centro-direita, acusou Garzón de danos “irremediáveis” na pecuária espanhola, enquanto Pablo Casado, o líder do Partido Popular (PP), também de centro-direita, disse que é “inaceitável que o Governo diga à imprensa internacional que Espanha exporta carne de má qualidade de animais maltratados”. O presidente de Castela-Mancha, o socialista Emiliano García-Page, por sua vez, afirmou que o ministro devia corrigir os erros das suas declarações ao jornal britânico. “Não se pode fazer propaganda negativa de um setor tão importante no estrangeiro. A nossa carne obedece a todos os padrões de controlo e é da mais alta qualidade”, alegou. Já o secretário-geral do PSOE de Castela e Leão, Luis Tudanca, considerou que o ministro “faria bem em ficar quieto e em parar de falar sobre coisas que não conhece nem entende”, sublinhou.

O presidente do Governo de Aragão, Javier Lambán, foi ainda […]

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