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Estuário do rio Mondego: Aquaculturas geram perturbações pouco significativas nas comunidades de aves, mas justificam medidas para minimizar impactos

Programa de monitorização recenseou e caracterizou a utilização que as comunidades de aves fazem das instalações dos estabelecimentos de aquacultura
Resultados apresentados esta terça-feira, na Figueira da Foz, apontam para um número relativamente pequeno de aves retidas, mortas ou feridas, nas redes de proteção dos tanques, mas relatório sugere medidas para mitigar estas ocorrências

Entre novembro de 2020 e dezembro de 2021 foram monitorizadas sete explorações de aquaculturas para recensear e caracterizar a utilização que as comunidades de aves fazem deste tipo de instalações. A forma como as comunidades de aves são afetadas – com lesões ou mortalidade – pelos dispositivos utilizados nestas explorações para diminuir os prejuízos causados pela predação das aves foi um dos objetivos do projeto. E, embora, tenham sido identificadas perturbações pouco significativas, o relatório final indica que há medidas que devem ser adotadas para mitigar ainda mais a possibilidade de ocorrências prejudiciais às aves.

As conclusões foram apresentadas esta terça-feira numa sessão pública que decorreu no Centro de Artes e Espetáculos da Figueira da Foz e onde estiveram presentes o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, IP (ICNF), a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), na qualidade de entidades promotoras da sessão, o Comando Territorial de Coimbra da Guarda Nacional Republicana, a Associação Portuguesa de Aquacultores, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a MilVoz Conservação da Natureza e as empresas proprietárias dos estabelecimentos das aquaculturas.

As sete explorações incluídas no programa de monitorização situam-se no estuário do rio Mondego e correspondem a áreas de estuário, na transição entre águas salinas e salobras, a Sítio Ramsar 3PT017 – Estuário do Mondego, classificado ao abrigo da Convenção das Zonas Húmidas, concretamente na Ilha da Morraceira e na Costa de Lavos, nas freguesias de Alqueidão, Lavos e São Pedro, no concelho da Figueira da Foz.

A comunidade de aves “do estuário do Mondego e costa da Figueira da Foz integra um total de 181 espécies, das quais 35 são espécies marinhas, e 72 espécies limícolas. Saliente-se ainda a presença de 36 espécies de estatuto nacional de Muito Ameaçadas (Vulnerável, Em Perigo e Criticamente em Perigo), e 38 abrangidas pelo Anexo A-I” do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na sua redação atual (APFF, 2018). (conforme consta do Estudo de Impacte Ambiental do projeto “Aprofundamento da Barra, Canal de Acesso e Bacia de Manobras do Porto da Figueira da Foz”, elaborado pela Administração do Porto da Figueira da Foz em 2018.

A atividade das explorações visa o crescimento e a engorda de douradas (Sparus aurata) e robalos (Dicentrarchus labrax) em regime semiextensivo e em algumas é ainda feita a cultura, em regime extensivo, de enguia (Anguilla anguilla), linguado (Solea solea), entre outras.

Os dados recolhidos nas amostragens sistemáticas indiciam que existem diferenças entre as comunidades de aves que utilizam as áreas seminaturais existentes na Ilha da Morraceira e na Costa de Lavos (testemunho – local com características semelhantes sem explorações) e a área das explorações. As diferenças observadas indiciam que a área das explorações têm alguma apetência para oferecer oportunidade de habitat para as aves, nomeadamente para algumas que têm ecologia alimentar de hábitos oportunistas, como é o caso do corvo-marinho (Phalacrocorax carbo), do guincho (Chroicocephalus ridibundus), gaivota-argêntea (Larus michahellis) e de outras gaivotas (Larus spp.). Esta diferença pode ainda ser um indício da existência de predação nos tanques das explorações, mas cuja magnitude não foi possível avaliar nem estimar.

Na área das explorações observaram-se, ainda, comunidades de aves que incluem espécies como a andorinha-do-mar-anã (Sternula albifrons), tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus), águia-pesqueira (Pandion haliaetus), entre outras, que têm estatuto de conservação desfavorável segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (Cabral, et al., 2005), cujos indícios apontam para que estas espécies utilizem os tanques dos estabelecimentos das aquaculturas para procurar alimento.

Os resultados obtidos durante a implementação do programa de monitorização apontam para um número relativamente pequeno de aves retidas, mortas ou feridas, nas redes de proteção dos tanques. Foram recenseados 27 cadáveres e 4 aves feridas retidas nas redes e 4 outros eventos relativos a aves retiradas das redes sem registo de qualquer lesão, entre os quais consta uma ocorrência com águia-pesqueira (Pandion haliaetus) retirada das redes pelos Técnicos de campo do ICNF.

A malha da rede de nylon utilizada nos tanques das explorações dos estabelecimentos das aquaculturas monitorizados explica cerca de 67% do número de registos de aves mortas por exploração, ou seja, indicia que quanto menor for a densidade da rede (malha da rede) utilizada para proteger os tanques da ação predatória das aves menor é a tendência para ocorrerem acidentes fatais na exploração.

Apesar do número de ocorrências aparentar uma perturbação pouco significativa, quando considerado o estatuto de conservação das espécies suscetíveis de utilizar a área das explorações para satisfazer necessidades tróficas, designadamente a andorinha-do-mar-anã (Sternula albifrons), o tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus) e a águia-pesqueira (Pandion haliaetus), entre outras, e a possibilidade contínua da ocorrência dos eventos capazes de causar lesões ou a morte às aves, como indiciam as ocorrências com águia-pesqueira (Pandion haliaetus), as ocorrências registadas podem constituir uma perturbação considerada significativa.

Assim, concluiu-se da necessidade de implementação de medidas que minimizem a possibilidade de ocorrências daqueles eventos, nomeadamente a articulação de políticas entre as várias entidades envolvidas, o formato da emissão de pareceres, o acompanhamento permanente e monitorização das áreas das explorações, a tipologia e dimensões das redes de proteção dos tanques, a manipulação das aves feridas e/ou retidas, bem como a sensibilização dos gestores das explorações de aquaculturas. E, finalmente, a valoração da produção da aquacultura em regime extensivo e semi-intensivo desenvolvida com respeito pelos valores naturais das áreas integradas no Sistema Nacional de Áreas Classificadas.

O ICNF irá manter o acompanhamento permanente e a monitorização destas áreas, bem como proceder à sensibilização e formação dos gestores das explorações de aquaculturas.

Artigo publicado originalmente em ICNF.


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