
Por ocasião do lançamento do livro “O Eucalipto em Portugal: ciência, gestão e território” (uma edição ISAPress), que ocorreu no passado dia 16 de dezembro, entendo serem oportunas algumas reflexões que, enquanto co-coordenador da Edição em causa e membro do Concelho Científico do Fórum do Eucalipto que lhe deu origem, me parecem oportunas.
Como costumo dizer aos alunos cujas teses oriento quando chega o momento de prestarem provas de mestrado ou de doutoramento: pouco tenho a acrescentar de muito científico neste momento, pois tudo o que tinha a dizer sobre o Eucalipto foi dito e discutido ao longo destes quase dois anos de trabalho que culminaram no lançamento do livro.
Assim, aquilo que eu escreva ou diga daqui para a frente, neste texto, corre o risco de ser uma conversa sobre aquilo que não devia dizer, pois como referi, o que tinha para dizer já ficou dito no livro. Mas cá vai…
Uma primeira coisa, que certamente não devia dizer ou escrever, relaciona-se com o atual enquadramento legislativo que condiciona e discrimina negativamente o Eucalipto, enquadramento esse que considero ser absolutamente disléxico. Como escreveu António Bagão Félix (in. Quarenta Árvores em discurso direto, 2025), dando voz, na primeira pessoa, a esta espécie, (cito) “… estou consciente de que sou uma árvore mal-amada. Julgo que injusta e infundadamente…”. E assim é, de facto. E o que é desconcertante é que tenhamos uma legislação que, em vez de assentar os seus alicerces sobre o conhecimento, assuma apenas uma declaração de desamor pela espécie em questão. Muito mal estamos, quando a legislação florestal (ou de qualquer outra natureza) se faz por amor (ou desamor, como é o caso) e não guiada pelo interesse do País para o qual foi, supostamente, desenhada. Ainda por cima quando esse desamor parece não ser tão real quanto o legislador julgou, a avaliar por um estudo sobre as perceções que a sociedade tem em relação a esta espécie. Nestas coisas, entre o amor e o interesse, escolho claramente o interesse, e guardo o amor e o desamor para outras esferas e afazeres da vida.
Uma segunda coisa, que também não deveria dizer nem escrever, é que esta dislexia profunda (designação simpática que arranjei para caraterística menos simpática da falta de conhecimento), que em certo momento deu a sensação de radicar, não no referido desamor, mas em crença ideológica marcada, parece afinal atravessar todo o espectro ideológico que a política nos serve em Portugal: começou, legislativamente, com um Governo muito à esquerda em 2017 sob plena influência da Geringonça, passou por um Governo menos à esquerda no pós-Geringonça, e permanece, firme e hirta, sem dar sinais de melhoras, com um Governo mais à direita. Ou seja, não é certamente a ideologia que move esta legislação: só pode mesmo ser a falta de conhecimento ou o excesso do tal desamor social mais imaginado do que real. Não sei em qual dos dois é preferível acreditar.
Uma terceira coisa, muito breve, que não sei se devia ou não dizer, prende-se com a dimensão económica e social desta espécie mal-amada. Um dia em que se contabilize o contributo que o Eucalipto já tenha dado (e que continue a dar) para o desenvolvimento económico e social de Portugal, estou certo que alguém se lembrará (mentira, não estou nada certo!) de lhe conferir um reconhecimento de mérito por serviços prestados à nação. Já temos uma árvore nacional, autóctone e bem-amada: o Sobreiro, Quercus suber de seu nome próprio, como tal reconhecido, e muito bem, pela Assembleia da República. Tenho fundadas esperanças de que, um dia, possamos ver o reconhecimento do Eucalyptus globulus como árvore exótica de nacionalidade adquirida, talvez menos mal-amada, e que tão bem se aculturou. Como a Lei da Nacionalidade foi recentemente considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em diversas normas, talvez ainda se vá a tempo de abrir espaço para o eucalipto.
Por último, uma coisa que acho que deveria mesmo dizer. Apesar destes últimos 9 anos de dislexia legislativa e de desamor irracional pela espécie, em que assistimos a uma progressiva degradação da floresta nacional (para a qual a legislação em referência deu um importante e negativo contributo), continuam a existir sinais de esperança para esta mesma floresta: produtores e suas famílias que abnegadamente se entregam e vivem da floresta, organizações de produtores que não desistem de lutar pelos interesses dos seus associados, prestadores de serviço que teimam em investir em mais e melhor tecnologia, indústrias empenhadas em crescer e evoluir e em apoiar o fortalecimento dos seus fornecedores, e centros do conhecimento que insistem em investigar e em transferir conhecimento, sob a forma de mais e melhor tecnologia para a floresta. E uma prova disso mesmo é a edição do livro que me levou a escrever este texto. Teve o contributo do conhecimento e da experiência de todos os que acabei de referir, movidos pelo propósito da sua partilha com todos os outros, nomeadamente com aqueles que mal-amam o eucalipto. E, quando assim é, e enquanto assim for, mantém-se a esperança de que este conhecimento possa vir a servir de base para ultrapassar as dislexias e desamores em que me demorei neste texto.