Exame de Saúde da PAC: Uma oportunidade perdida? – Jaime Piçarra

Os números são, infelizmente, assustadores, com as falências a crescer 40%, a inflação nos 4% na zona Euro, o petróleo que atinge máximos históricos todos os dias, uma volatilidade sem precedentes, juros em alta, uma pecuária descapitalizada e a indústria de alimentos compostos com prazos de recebimento de 4 a 5 meses, sem condições para assumir o tradicional papel de “almofada” financeira dos produtores pecuários. E com a escassez de alimentos (ou a sua distribuição desajustada) a engrossar em mais 50 milhões, segundo a ONU, a população atingida pela fome em 2007.

Os mercados evoluem ao sabor de relatórios que dão conta das reservas de petróleo ou de produções e stocks de matérias-primas mais baixos que o previsto, porque as revisões em baixa são normalmente sinónimo de tensões e alta de preços. E quando acontece o inverso, com produções em alta, os fundos de investimento, com garantias de mais-valias que compensarão as perdas do “subprime”, já se encarregaram de “fixar” os preços das matérias-primas, independentemente da sua existência física. Como foi possível criar este modelo de funcionamento da economia e da Sociedade?

Todos sabemos que qualquer política necessita de um quadro de estabilidade, o que nunca aconteceu com a agricultura e com a PAC, que nos últimos 20 anos passou por várias “vicissitudes” ao sabor das orientações políticas, das percepções dos consumidores ou das pressões da opinião pública e das exigências da globalização.

Face à incerteza do clima e às zoonoses, problema acentuado pelas alterações climáticas e pela existência de novas doenças animais, a actividade agro-pecuária não pode ser considerada como uma actividade económica como as outras. Quer na sua função essencial enquanto produtora de alimentos – felizmente redescoberta pela conjuntura actual – quer enquanto protectora da paisagem, da gestão dos recursos naturais e da valorização do património ambiental, uma Política Agrícola precisa de estabilidade e de tempo suficiente para que os investimentos sejam rentabilizados.

Uma orientação para o mercado e para satisfazer uma procura em alta pressupõe produções competitivas e justamente remuneradas pelo mercado e/ou pela Sociedade, na outra vertente mais social das zonas rurais desfavorecidas, evitando o abandono dos campos e a desertificação. Essa é, em nossa opinião, a noção de sustentabilidade.

Com a actual crise alimentar e a alta dos preços de alguns produtos, só agora a sociedade europeia se deu conta da vulnerabilidade da UE em dois aspectos essenciais: a energia e a alimentação.

E é com este panorama como pano de fundo que as discussões do Health Check ou Exame de Saúde da PAC vão agora iniciar-se ao nível do Conselho, Comissão, Parlamento Europeu e nas nossas organizações nacionais e internacionais.

A primeira conclusão que se pode retirar é a de que as propostas da Comissão não dão resposta aos grandes desafios que temos pela frente: uma maior fluidez do mercado, melhoria da competitividade e um aproveitamento das oportunidades do mercado mundial, com uma procura em alta. Pretende simplificar-se a PAC e esta tende a ser mais burocrática, com a modulação retiram-se verbas para o Desenvolvimento Rural mas enfraquece-se o primeiro pilar e o artigo 68º (que visa ajudar os sectores mais debilitados) deixa pouca margem de manobra aos Estados-membros e cria um risco potencial de renacionalização da PAC, deixando à mercê dos países mais ricos, maiores financiamentos para as respectivas actividades e, consequentemente, distorções entre agriculturas e agricultores e sistemas de produção, em que tende a penalizar ou esquecer a pecuária mais intensiva.

Não se prevêem stocks estratégicos e dentro dos novos desafios, não se aborda a biotecnologia enquanto instrumento de inovação, nem a questão dos mecanismos de apoio para fazer face à gestão de crises. As declarações recentes do Ministro da Agricultura, bem como as nossas reflexões e as ligadas à Fileira Pecuária, colhem a unanimidade de que este Health Check não é a correcção política que necessitamos para resolver os problemas actuais. A discussão vai ser entre os países mais liberais que querem desmantelar a PAC e aqueles que como nós, defendem que os mercados têm de ser regulados e que os instrumentos de gestão têm de ser mantidos.

Esperamos que a Presidência francesa seja sensível a muitos destes argumentos e que reconcilie a agricultura e a agro-indústria com a Sociedade e lhe dê a importância que ela merece. Que agilize os processos de decisão e que promova a coesão europeia. Mais do pensar o pós-2013, necessitamos de medidas urgentes que permitam enfrentar os desafios para lá chegar.

Face aos erros do passado, deveríamos parar para pensar e dotar a PAC de uma política estável no médio e longo prazo, com as mesmas regras do jogo no mercado mundial (segurança alimentar, ambiente, bem-estar, animal e humano), sem proteccionismos artificiais. Trata-se certamente da melhor oportunidade para se fazer este debate.
Que não seja uma oportunidade perdida… para se discutir uma verdadeira política alimentar.

Jaime Piçarra
Secretário Geral da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais

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