Exploração de caprinos em extensivo e adaptação às alterações climáticas

A aplicação de estratégias para a produção sustentável de caprinos em extensivo requer o conhecimento do efeito das alterações climáticas não só na quantidade e qualidade da biomassa vegetal disponível, como no bem-estar dos animais em produção.

As alterações climáticas são uma ameaça real à nossa saúde, economia e modo de vida. Ao longo dos últimos anos tem-se observado um acréscimo na ocorrência de ondas de calor, seca, cheias, fogos florestais, furacões. Segundo publicação da União Europeia de 29 de setembro de 2021, o impacto económico das alterações climáticas já totaliza, pelo menos, 12 mil milhões de euros por ano (EU Missions, 2021). É assim urgente, além da aplicação de medidas de mitigação, a preparação para as mudanças inevitáveis e eventos extremos no clima, partilhando experiências e soluções, de modo a prevenir perdas económicas significativas.

Alterações climáticas e o pastoreio em extensivo

O efeito das alterações climáticas nos sistemas de produção animal baseados em pastoreio extensivo, além de incidir diretamente nos animais submetidos a stress térmico, manifestando-se na fisiologia, no comportamento alimentar, na saúde e no bem-estar, reflete-se na menor produção e qualidade da biomassa vegetal disponível para uma alimentação adequada e também na qualidade e disponibilidade da água, colocando sérios desafios ao maneio dos animais.

O aumento de temperatura pode proporcionar melhores condições para o desenvolvimento invernal das pastagens, ao permitir o seu crescimento durante esta estação. No entanto, a alteração do padrão de pluviosidade, com chuvas concentradas no inverno e início da primavera, aumentando o período de secura, juntamente com a irregularidade da precipitação outonal, tem como consequência uma severa depreciação quantitativa e qualitativa dos ecossistemas de pastoreio (Belo, 2019/2020).

Dellar et al. (2018) analisaram o efeito das alterações climáticas na produção e qualidade das pastagens na Europa e referem que o aumento atmosférico de CO2 pode beneficiar o processo de fotossíntese e, consequentemente, a produção de pastagem, mas com efeito negativo na concentração de azoto, com diminuição do teor em proteína da matéria seca obtida. Além disso, o aquecimento global far-se-á sentir na diminuição da digestibilidade, embora o teor em hidratos de carbono não estruturais (açúcar solúvel e amido) aumente, fornecendo mais energia aos animais em pastoreio. Moyo e Nsahlai (2021) referem que o aumento da temperatura ambiente provoca o acréscimo no teor em fibra dos alimentos e a diminuição da degradabilidade potencial da matéria seca no rúmen, cerca de menos 0,55% em média, por cada incremento de 1 °C.

Por outro lado, níveis mais elevados de CO2 na atmosfera, juntamente com o aquecimento global, estão a causar uma mudança subjacente no equilíbrio entre espécies herbáceas e lenhosas, levando à maior expressão das espécies arbustivas (Henry et al., 2018). Esta alteração reforça a importância de recorrer a caprinos no maneio desses espaços, como serviço ao cossistema para a manutenção da biodiversidade.

A perda na quantidade e qualidade das pastagens, assim como a menor disponibilidade de água, vai obrigar a que os rebanhos percorram maiores distâncias em busca de recursos, aumentando o stress causado pelas temperaturas mais elevadas e pela radiação solar.

Características dos caprinos e capacidade de adaptação

Os caprinos têm sido referidos em vários estudos como a espécie mais adequada para garantir a sustentabilidade da produção animal em condições de alterações climáticas (Darcan e Silanikove, 2018), mostrando uma capacidade de adaptação superior a outros ruminantes. Para manterem o balanço térmico, os animais recorrem a respostas fisiológicas, como o aumento de temperatura corporal, a taxa respiratória e a dissipação do calor corporal para manutenção da homeotermia, podendo, no entanto, diminuir a sua produção, por maiores gastos energéticos e menor consumo de alimentos.

Hartmann et al. (2021), com cabras em lactação submetidas a uma “onda de calor” com temperatura diurna superior a 30 °C durante 15 dias, observaram uma recuperação nos parâmetros fisiológicos dos animais ao fim de 12 dias, sugerindo um processo gradual de aclimação às condições ambientais. Estes autores também referem que os caprinos têm uma capacidade considerável para transpirar, o que, juntamente com a evaporação de água pelo aparelho respiratório (respiração ofegante), representa uma forma eficiente de dissipar o calor. Além disso, um animal com respiração ofegante não perde sais, conseguindo assim manter o volume plasmático no sangue.

Outra característica de adaptação dos caprinos é o seu comportamento alimentar, designado por “browsing/ramejador”. As cabras são “oportunistas”, mas seletivas, ou seja, conseguem tirar partido de um vasto leque de recursos, mas tendem a procurar ativamente os rebentos novos e mais nutritivos de espécies lenhosas, tirando partido de uma postura bípede para os alcançar em espécies arbustivas, convertendo os nutrientes obtidos em produtos de alta qualidade (Sejian et al., 2021). Estudos sobre as preferências alimentares mostram que as cabras têm uma afinidade por diversos tipos de plantas, folhas, frutos, flores e vegetação arbórea e arbustiva, refletindo a capacidade de se adaptarem à disponibilidade de recursos.

Durante a estação mais seca, as cabras preferem a vegetação arbustiva em relação à herbácea, pois estas plantas apresentam menores teores de energia e proteína quando secas. Já na primavera e outono, as cabras alteram a sua preferência devido à abundância na vegetação herbácea. Complementando esta hábil forma de pastorear, os caprinos possuem um sistema digestivo muito eficiente que potencia a utilização máxima do alimento disponível, como, por exemplo, a utilização de alimentos de baixo teor proteico, devido a uma reciclagem eficaz da ureia para a síntese de proteína microbiana no rúmen.

Quanto à eficiência de utilização do material lenhoso, Silanikove (2000) refere haver pontos de vista distintos: por um lado, o desempenho dos caprinos é melhor devido à sua seletividade alimentar para material vegetal menos lenhificado, mas, por outro, poderá estar relacionado com a taxa de passagem no trato digestivo e capacidade de enchimento do rúmen. Além disso, Darcan e Silanikove (2018) referem que a maior eficiência de conversão dos alimentos em caprinos resulta em menores emissões de metano entérico por unidade de alimento consumido.

Os caprinos têm ainda outras características fundamentais na capacidade de adaptação, nomeadamente, suportar períodos de restrição/privação de água sem consequências fisiológicas significativas (Silanikove, 2000). A diminuição da taxa de passagem durante os períodos de restrição/privação aumenta o tempo disponível para a ação da população microbiana ruminal, o que incrementa a digestibilidade dos alimentos ingeridos. Além disso, o rúmen desempenha um papel importante pois serve não só como um grande reservatório de fermentação, mas também como depósito de água. A água armazenada no rúmen pode ser utilizada durante o período de restrição, voltando a ser reposta assim que o animal tem acesso a água

Tanto os parâmetros produtivos como os reprodutivos são afetados por condições ambientais extremas, com intensidade maior ou menor consoante as raças. Salama et al. 2014) registaram 3-10% de perda na produção e redução nos teores dos componentes do leite devido ao stress térmico, com alteração das propriedades de coagulação, e consequente impacto no processo de fabrico do queijo. Entretanto, num estudo posterior, Salama et al. (2021) observaram uma capacidade de resiliência a nível do metabolismo em cabras Murciano-Granadinas em lactação submetidas a stress térmico (12 h a 37 °C), que mantiveram níveis séricos normais de glucose e ácidos gordos não esterificados, não se verificando mobilização das suas reservas corporais, mesmo com diminuição nos níveis de ingestão, tendo sido sugerido que o aumento da digestibilidade observado poderá ter compensado parcialmente essa diminuição na ingestão.

Estratégias a utilizar nos sistemas de produção extensivos

A produção sustentável de caprinos dependerá da adoção de estratégias que reduzam os impactos do aquecimento global, utilizando a biodiversidade e os recursos hídricos, de modo a aumentar a resiliência dos sistemas de produção extensivos e a reduzir a sua vulnerabilidade face às alterações climáticas.

Pastoreio arbustivo e efeito dos compostos fenólicos na dieta

O pastoreio arbustivo, incluído nos percursos de pastoreio extensivo de caprinos, tem vantagens não só a suprir a escassez de biomassa vegetal como, a nível nutricional, ao contribuir para os níveis de ingestão de compostos fenólicos. Vários estudos confirmam a importância dos taninos condensados na proteção da proteína ingerida para ultrapassar a degradação ruminal, e na redução das emissões de metano, devido ao seu efeito antimetanogénico (Silanikove, 2000). Estes compostos têm ainda um potencial anti-helmíntico que contribui para o controle natural do parasitismo gastrointestinal (Belo et al., 2021). Além disso, o coberto arbóreo e arbustivo contribui para a redução da hipertermia nos animais em pastoreio extensivo, dando importância aos sistemas de exploração silvopastoris ao promover o conforto térmico e bem-estar animal.

Utilização de subprodutos agroindustriais e/ou sobrantes da agricultura A substituição de alimentos convencionais por subprodutos agroindustriais ou sobrantes da agricultura na suplementação utilizada em fases mais exigentes do ciclo produtivo das cabras, como na lactação (Marcos et al., 2020), tem sido alvo de avaliação. Alguns subprodutos são poluentes pela arga orgânica que contêm, e a sua utilização na alimentação animal, além de reduzir os problemas ambientais causados pela sua acumulação e eliminação, pode contribuir para a sustentabilidade do istema de produção e reduzir a pegada de carbono dos produtos animais, como na produção de leite em pequenos ruminantes (Pardo et al., 2016).

Uma alternativa a ser explorada é a conservação de subprodutos por ensilagem (Jerónimo et al., 2021). A utilização de sobrantes da agricultura, produtos presentes em cada região como a rama de oliveira, poderá ser uma forma de adicionar um valor nutracêutico à dieta dos animais, uma vez que estudos com folhas de oliveira demonstraram propriedades antimicrobianas e antioxidantes atribuídas aos seus compostos fenólicos, particularmente o hidroxitirosol e a oleuropeína (Lee et al., 2021).

Pastagens com rega de apoio na produção de leite

A utilização de pastagens com rega de apoio poderá contribuir para melhorar o aporte de nutrientes numa fase produtiva muito exigente, como é a produção de leite, sendo ao mesmo tempo uma utilização racional da disponibilidade de água. O recurso a algumas parcelas de pastagens semeadas com pratenses de ciclos vegetativos mais longos, irrigadas até ao final da primavera e no final de verão/outono, poderão disponibilizar quantidades apreciáveis de matéria seca de muito boa qualidade nutritiva, possibilitando ntensificação reprodutiva e/ou a extensão da lactação, ajudando também a minimizar a imprevisibilidade da pluviometria.

Para um correto maneio das pratenses produzidas nestas condições deverá ser praticado o pastoreio rotacional que, com adequadas pressões de pastoreio e frequência de utilização, permite o aproveitamento da forragem na sua fase vegetativa, promovendo a sua ingestão e digestibilidade, e dietas com composições nutritivas e alimentares homogéneas ao longo dos períodos de utilização.

Biomarcadores na avaliação do bem-estar animal

Vários marcadores fenotípicos são expressos pelos animais em resposta às condições de stress térmico e podem ser utilizados para conhecer a resposta animal às condições ambientais: o hematócrito, a taxa de respiração, a temperatura retal, a condição corporal, os valores plasmáticos hormonais de cortisol, T3 e T4 (Belo, 2019/2020). A nível molecular, Sejian et al. (2021) propõem a avaliação do nível sérico de uma proteína, a HSP70, pela sua correlação positiva com as respostas fisiológicas ao stress térmico. É assim essencial avaliar e analisar as respostas dos animais às alterações nas condições de exploração, de modo a delinear estratégias que promovam o equilíbrio nutricional e o bem-estar dos animais, e consequentemente a produtividade dos sistemas de exploração.

Bibliografia

Belo, A.T. et al. (2021). Vida Rural, 1870:61–66.
Belo, C.C. (2019/2020). Vida Rural, 1853:38–40.
Darcan, N.K.; Silanikove, N. (2018). Small Rum. Res., 163: 34–38.
Dellar, M. et al. (2018). Agric., Ecosyst. and Environ., 265:413–420.
EU Missions (2021). https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/158ca8e2-2658-11ec-bd8e-01aa75ed71a1/ language-en/ format-PDF/source-233488586.
Hartmann, E. et al. (2021). Acta Agric. Scand., A – Anim. Sci., 70(1):41–49.
Henry, B.K. et al. (2018). Animal, 12, Suppl.2: s445–s456.
Jerónimo, E. et al. (2021). XXII Congresso Nacional de Zootecnia.
https://www.youtube.com/watch?v=PFgpBj2A9Pg.
Lee, S.J. et al. (2021). Animals, 11:2008.
Marcos, C.N. et al. (2020). J. Dairy Sci., 103:1472–1483.
Moyo, M.; Nsahlai, I. (2021). Animals, 11:172.
Pardo, G. et al. (2016). Anim. Prod.Sci., 56:646–654.
Salama, A.A.K. et al. (2014). Small Rum. Res., 121:73–79.
Salama, A.A.K. et al. (2021). Small Rum. Res., 203: 106496.
Sejian, V. et al. (2021). Animals, 11:1021.
Silanikove, N. (2000). Small Rum. Res., 35:181–193.

Por: Belo, A.T. Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária

O artigo foi publicado originalmente em Rede Rural Nacional.


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