Nos últimos meses tem sido objecto de ampla discussão o novo Quadro Comunitário de Apoio e a forma como pode dar resposta aos desafios que se colocam aos vários sectores da economia nacional. No caso concreto do sector lácteo, o documento enquadrador é o Plano de Desenvolvimento Rural, que foi objecto de análise atenta e comentários atempados.
Nas “Observações e Comentários” que remete-mos ao Ministério da Agricultura, demos conta do nosso profundo desagrado em ver o sector lácteo não incluído no restrito grupo dos sectores considerados prioritários, mas manifestamos também sérias dúvidas quanto à operacionalização dos apoios para esses mesmos sectores prioritários.
Demos conta da satisfação ao verificar que as sugestões feitas ao longo dos últimos anos em relação à prioridade a dar aos investimentos intangíveis e à aposta nos factores dinâmicos de competitividade encontraram eco em quem de direito e que conceitos como inovação, cooperação ou internacionalização passaram a assumir papel cimeiro neste novo PDR.
No entanto, onde a porca torce verdadeiramente o rabo é ao nível dos apoios (ou melhor, da ausência desses apoios) direccionados para a produção leiteira.
O Plano de Desenvolvimento Rural cobre um quadro temporal de seis anos (2007-2013) e todos os sinais apontam para que nesse mesmo período toda a organização do mercado lácteo comunitário sofra uma profunda reforma que vai mexer com os seus actuais alicerces.
Como temos sucessivamente referido, a Comissão Europeia pretende – aproveitando o health check da PAC, previsto para 2008 1 – proceder a uma ampla reforma da OCM-Leite, sendo a mais fundamental das alterações o desmantelamento do sistema de quotas leiteiras.
Dificilmente haverá condições políticas para que esse desmantelamento seja antecipado em relação à data prevista – 2015 – mas, por certo, tudo será feito para que fique já definitivamente consagrada a não continuidade do sistema e, ao mesmo tempo, sejam explicitadas as medidas de transição que tenderão a desvalorizar as quotas enquanto factor de controlo da oferta, enquanto direito de produção com valor de mercado, enquanto garante da manutenção da produção nas zonas menos competitivas.
A este propósito chamamos a atenção para a proposta de mini-reforma da OCM, recentemente apresentada pela Comissão Europeia 2.
Também não será certamente novidade o potencial impacto negativo sobre o sector lácteo europeu e nacional da conclusão da actual ronda negocial da Organização Mundial do Comércio 3, quer pelas dificuldades adicionais na colocação de produtos lácteos europeus em países terceiros, quer pela necessária abertura facilitada de fronteiras a produtos provenientes de países terceiros altamente competitivos (Nova Zelândia, Austrália, Argentina, Brasil,…).
Acresce ainda o potencial impacto negativo nos custos com a alimentação animal da crescente ‘canalização’ da produção cerealífera para o fabrico de biocombustíveis.
Assim e face a tudo isto que mensagem passar ao produtor de leite:
- Que os preços à produção baixarão (quotas, competição internacional)?
- Que os custos de exploração aumentarão (rações, energia,…)?
- Que as exigências legais (licenciamento, ambiente, bem-estar) implicarão investimentos significativos nas explorações?
- Que as quotas leiteiras que eventualmente comprou deixarão de ter valor patrimonial?
- Que continue a produzir quando pode receber uma ajuda razoável e mudar-se para uma actividade menos exigente?
- Que continue a produzir quando se elaboram programas de apoio à actividade agrícola, mas não se vê qual a forma de apoio preconizada para a produção leiteira?
Temos, pois, que ser capazes de contornar este pessimismo, de ter uma ideia para o sector, onde estamos e para onde vamos, definir objectivos concretos e concentrar apoios no que é realmente fundamental, apostar na competitividade sem descurar a humanidade, mas tendo presente que só os mais fortes e mais bem preparados sobreviverão e que para os restantes cabe encontrar uma saída digna, sob pena de se virem a constituir como um problema social.
Enfim, conseguirmos mostrar, todos, que há mesmo uma luz ao fundo do túnel e que a fileira do leite em Portugal pode ter um futuro.
Penso que já todos terão percebido que sem produção leiteira no nosso país a indústria transformadora será inviável em Portugal. Que a nossa situação geográfica e a organização da fileira do leite em Espanha, transtornam planos sérios de abastecimento das nossas fábricas com leite proveniente do exterior. Que seremos assaltados pela dúvida existencial “para quê importar leite cru, se posso importar o produto já transformado?”
Há, pois, que defender acerrimamente que Bruxelas e Lisboa, permitam colocar em prática ferramentas que efectivamente apoiem o núcleo mais competitivo das explorações leiteiras nacionais, cimentando a produção de leite em Portugal.
A indústria de lacticínios, até por que é, em última análise, a sua sobrevivência que estará em causa, saberá por certo assumir a responsabilidade que lhe cabe em todo este processo.
Quotas Leiteiras: Discussão sobre o seu futuro está ao rubro – Pedro Pimentel