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Falta investir para proteger agricultura familiar das calamidades em Moçambique – analistas

Ativistas moçambicanos disseram hoje à Lusa que a falta de investimentos no setor agrícola para enfrentar cheias como as deste ano, agudiza a vulnerabilidade das famílias, agravando a insegurança alimentar e a pobreza no país.

“É inevitável [haver situações de fome], porque as pessoas deixaram de ter os seus campos, deixaram de se poder movimentar devido ao bloqueio das vias de comunicação e deixaram de poder escoar a produção”, explicou João Mosca, economista e investigador no Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental (ONG) moçambicana, numa altura em que muitas famílias viram os seus campos agrícolas, fonte principal de alimentos, destruídos pela chuva intensa.

“Os níveis de pobreza e os níveis de insegurança alimentar, naturalmente, têm uma subida galopante, sem que haja capacidade do Governo de acudir a tudo isto”, acrescentou.

Ao nível das infraestruturas, “muitos terrenos de regadio nas zonas baixas dos rios não têm sistemas de drenagem e de dragagem” e “os leitos estão muito assoreados”, disse, sublinhando também o facto de não terem sido construídos diques de defesa para conter inundações.

Aquele investigador criticou igualmente o desmatamento descontrolado nas zonas próximas dos rios, destruindo “uma cortina natural” contra as subidas de caudal.

“Não existem sistemas de defesa dos campos, através de cortinas de árvores, que podiam proteger os campos dos ventos e das chuvas”, enfatizou.

João Mosca, que dirigiu empreendimentos agrários estatais antes de se tornar investigador independente, questionou a concentração de investimentos nas culturas de rendimento, como algodão, tabaco e gergelim, em prejuízo da agricultura alimentar.

Aquele investigador disse ainda que há técnicas agrícolas rudimentares que impedem o escoamento das águas, provocando inundações e destruição das culturas.

Apontou a descoordenação com os países vizinhos, que estão a montante das bacias hidrográficas que atravessam Moçambique, como um dos fatores das sistemáticas inundações.

Uma melhor articulação entre as autoridades, continuou, permitiria que o país reduzisse preventivamente o volume de água que recebe para criar maior capacidade de encaixe nas suas albufeiras.

Luís Muchanga, coordenador executivo da União Nacional dos Camponeses (UNAC), ONG moçambicana, criticou também a ausência de investimentos e políticas públicas que possam reduzir a vulnerabilidade do setor agrário face às calamidades naturais e ao impacto das mudanças climáticas.

“Quando os impactos se começaram a sentir de forma mais cíclica, o país devia adotar mecanismos de resiliência e adaptação”, declarou Muchanga.

A postura do Governo nessa matéria, prosseguiu, tem sido de “propaganda política”.

A incapacidade dos camponeses em enfrentar o impacto das intempéries tem resultado na perda de produção agrícola e animal, desestruturação das famílias, devido aos deslocamentos em massa para novos reassentamentos, e maior empobrecimento, acrescentou.

“Os camponeses são afetados em três dimensões: há uma dimensão social, em que temos a deslocação de famílias, há uma dimensão cultural, na qual os camponeses são retirados de um contexto e obrigados a adaptar-se a um novo, e temos, finalmente, uma dimensão económica, em que a produção agrária é afetada, com a perda da sua produção agrícola e animal”.

Tal como João Mosca, o presidente da UNAC defendeu também que Moçambique devia exigir uma maior coordenação com os países vizinhos para gerir melhor as descargas feitas a montante dos rios que atravessam o território nacional.

“As inundações das ‘machambas’ [campos agrícolas familiares], no sul de Moçambique, foram agravadas por descargas das barragens da África do Sul e do Zimbabué e não pela chuva dentro do nosso país”, sublinhou Luís Muchanga.

Moçambique vive uma época das chuvas com precipitação acima da média em várias partes do país.

Os desastres naturais nesta época, que começa todos os anos em outubro e se prolonga até meados de abril, já tinha feito 83 mortos até 13 de fevereiro, acrescendo pelo menos mais sete mortes causadas pela tempestade tropical Freddy desde a última semana.

Há ainda a registar um número por calcular de campos agrícolas perdidos e infraestruturas danificadas.


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