1. A Fitossanidade esteve em destaque na agenda da Presidência Portuguesa do Conselho da UE. Que consensos/progressos foram alcançados nas reuniões com os parceiros europeus?
Os trabalhos da Presidência Portuguesa nas áreas da fitossanidade e das sementes foram muito intensos. Presidimos a 30 reuniões, onde tratámos não apenas de matérias internas da UE, mas também coordenámos as posições comuns e contribuímos com propostas para as agendas de reuniões de organizações internacionais. Estivemos, assim, fortemente envolvidos em reuniões da OCDE – Esquemas de certificação de semente, onde participam 61 países no Comité de Medidas Fitossanitárias da Convenção Internacional da Proteção das Plantas, com 180 países signatários e, pela primeira vez, foram também preparadas as posições comuns e acompanhada pela Presidência uma reunião da Organização Europeia e Mediterrânea da Proteção das Plantas, que conta com 52 países membros. Foram, assim, a nível internacional, aprovados ou revistos dezenas de novos standards e outros documentos, que regulam o comércio internacional de sementes, o movimento internacional de vegetais e produtos vegetais e também as atividades laboratoriais. Realçamos que todas as propostas da União Europeia apresentadas nestas reuniões foram aprovadas, algumas refletidas nas normas aprovadas e outras incluídas nos planos de trabalho daquelas organizações.
Foram, ainda, durante a nossa Presidência, apresentados, e amplamente debatidos, dois estudos, realizados pela Comissão Europeia, de enorme relevância para a definição das estratégias futuras da EU nos domínios das novas técnicas de melhoramento de plantas e do quadro legislativo das sementes e dos materiais de propagação de plantas.
Um dos temas prioritários foram os agentes de controlo biológico e, nesta matéria, conseguimos concretizar o nosso objetivo, tendo sido aprovada pelos ministros da agricultura de todos os Estados membros a Decisão (UE) 2021/1102 do Conselho, de 28 de junho de 2021, na qual se solicita à Comissão que apresente um estudo sobre a situação e as opções da União no que diz respeito à introdução, avaliação, produção, comercialização e utilização de agentes de controlo biológico invertebrados no território da União e uma proposta, se for caso disso e tendo em conta os resultados do estudo. Para este tema, foi organizada uma conferência internacional e lançado um questionário aos Estados membros.
Promovemos também a discussão política de temas da fitossanidade nos Conselhos de ministros da Agricultura e participámos em diversas conferências internacionais, sendo de destacar as duas que foram organizadas em conjunto com a Comissão Europeia, na área do uso sustentável dos produtos fitofarmacêuticos e que tiveram particular sucesso.
2. A ambição da Comissão Europeia é reduzir o uso e o risco dos produtos fitofarmacêuticos em 50% na UE até 2030. Como será aplicada esta meta a Portugal?
A Comissão apresentou propostas de indicadores para a implementação do Pacto Ecológico Europeu, nos quais se incluem dois relacionados com os produtos fitofarmacêuticos (PF), com vista à redução em 50%, até 2030, do uso dos PF e do uso dos PF classificados como de maior risco. Tratam-se de propostas que terão de ser traduzidas em propostas legislativas e que deverão ser levadas à discussão. Temos defendido que as propostas legislativas devem ser sustentadas em estudos de impacto. Também defendemos que devem ser tidas em conta, para as metas globais, as realidades de cada Estado membro, as especificidades das culturas, a diversidade e a maior ou menor pressão de pragas. Em Portugal, as médias de vendas e de uso dos PF de maior risco já estão abaixo da média europeia. Para uma maior redução do uso de PF será necessário incrementar um conjunto de medidas de proteção fitossanitária, assente em fortes medidas de prevenção, que incluam várias técnicas substitutas ou complementares à luta química, fomentando a proteção integrada e a coordenação de aplicação de protocolos fitossanitários, para além da parcela ou da exploração agrícola.
«Devemos ser cautelosos nas decisões de retirada ou na imposição de restrições ao uso das substâncias ativas»
3. Um estudo da ANIPLA estima perdas anuais de 330 milhões de euros/ano na agricultura portuguesa caso sejam retiradas do mercado cerca de 80 substâncias ativas de proteção vegetal. Que reflexão lhe merecem as conclusões deste estudo?
Os impactos económicos da retirada de determinadas substâncias ativas podem, efetivamente, ser razão pela qual deveremos ser cautelosos nas decisões de retirada ou na imposição de restrições ao uso das substâncias ativas.
No entanto, não podemos ignorar a necessidade de investirmos em novos produtos, como os biopesticidas ou os agentes de controlo biológico, setores que têm tido um importante crescimento nos últimos anos, sendo para isso fundamental ter incentivos à investigação. De igual forma, não podemos perder oportunidade de aplicação e uso de novas tecnologias, designadamente no que diz respeito à agricultura de precisão ou a novas técnicas genómicas, que podem oferecer aos agricultores variedades vegetais mais resistentes a pragas e doenças.
«Em Portugal as médias de vendas e de uso dos produtos fitofarmacêuticos de maior risco já estão abaixo da média europeia»
4. Os biopesticidas farão cada vez mais parte da caixa de ferramentas dos agricultores para proteger as culturas. Quantos destes produtos estão autorizados em Portugal? Quais são por categorias/tipos? Que % representam face ao total de fitofármacos?
No universo de 456 substâncias ativas aprovadas na UE, cerca de 28% são já biopesticidas e, das 61 substâncias ativas que se encontram em avaliação, cerca de metade são biopesticidas, que são a grande maioria de micro-organismos, o que mostra a evolução crescente da importância destas substâncias. Aproximadamente 8% (116 produtos autorizados) dos produtos fitofarmacêuticos presentemente autorizados em Portugal são biopesticidas, contendo extratos de plantas, feromonas e micro-organismos incluindo virus. Destes, a maior fatia está também representada por micro-organismos.
«Os alimentos produzidos na UE são na sua grande generalidade muito seguros»
5. Está prevista uma revisão da legislação europeia sobre biopesticidas ainda em 2021. O que mudará? E com que consequências para a indústria e os agricultores?
Não existe legislação europeia sobre biopesticidas em particular. Este grupo de produtos fitofarmacêuticos está enquadrado no Regulamento (CE) Nº 1107/2009, que regula a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos e que não se encontra em revisão. Não obstante, encontra-se em atualização o seu Anexo B, relativo às exigências e princípios de avaliação associados a micro-organismos, bem como a lista de protocolos de ensaio e documentos orientadores de avaliação deste grupo de produtos fitofarmacêuticos.
O desenvolvimento e a colocação no mercado de biopesticidas não deixa de ser um desafio para a indústria, para as autoridades reguladoras e para o agricultor, dado que têm efetivamente grande especificidade e exigências, incluindo ao nível da sua avaliação. Da mesma forma, a utilização de biopesticidas exige conhecimento detalhado do seu modo de ação e condições ótimas de atuação, pelo que a incorporação deste tipo de produtos na prática fitossanitária é relativamente lenta, dado que requerem uma aprendizagem por parte do agricultor sobre as condições edafoclimáticas, biológicas e fitossanitárias mais favoráveis para a sua utilização mais eficaz, mas deverão cada vez mais ser vistos como ferramentas substitutas ou complementares aos demais produtos.
No panorama atual, de progressiva retirada de substâncias químicas do mercado e ambições comunitárias, visando uma agricultura mais “verde”, estes produtos terão, de facto, de ser incorporados na caixa de ferra- mentas dos agricultores e, para isso, a indústria, e também os serviços técnicos de aconselhamento, têm um papel importante na sensibilização, formação e apoio à sua incorporação na produção agrícola.
6. O relatório da ESFA sobre resíduos de pesticidas conclui que 96% das amostras de alimentos analisadas em 2019 cumprem os LMRs. É uma boa notícia? Como compara com anos anteriores? E em Portugal, qual é a situação?
Sim, é uma boa noticia. De facto, os alimentos produzidos na UE são, na sua grande generalidade, muito seguros e comprova-se essa segurança por planos de controlo oficiais, como é o caso dos planos de controlo de resíduos de pesticidas. O relatório da EFSA, referente ao ano de 2019, mostra que 96,1% do total das
96.302 amostras analisadas não continha ou tinham resíduos abaixo do limite máximo de resíduos (LMR) estabelecidos, e que 3.9% das amostras continham resíduos de pesticidas acima dos respetivos LMR. No que respeita o plano de controlo nacional, o mesmo abrange, além de amostras de vegetais de produção nacional, o controlo à importação nos postos de controlo de fronteira e vegetais oriundos de outros Estados membros. No total das amostras analisadas em 2019 no plano nacional, metade não apresentaram presença de resíduos, sendo que ocorreram 43 infrações aos limites máximos de resíduos, o que correspondeu a uma taxa de 4,41%. Considerando apenas a produção nacional, foram registadas 21 infrações, o que representa 2,8% do total. No entanto, a “excedência” do LMR não é sinónimo de risco para o consumidor e o número de amostras identificadas como constituindo de risco é muito reduzido, quer a nível nacional, quer em termos globais na UE.
O artigo foi publicado originalmente em FitoSíntese.