Florestas a arder no verão para termos Jorge Pinto na TV

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“Agora falta o detalhe que decide tudo. Precisamos de 1.000 assinaturas para garantir o meu boletim. Se acreditas nesse caminho, dá-me esse empurrão”
(Jorge Pinto, no Instagram, após o debate com A.J.Seguro)

Verão após verão, o país transforma-se num mar de chamas. Nestas alturas fala-se num país esquecido, sem recursos para ser resiliente, sem interesse para os políticos fora das campanhas eleitorais. A coisa passa. Para o ano há mais, e os culpados serão os políticos de turno. A sociedade vê moscas nos olhos de quem elege mas não vê um enxame nos seus, não só por quem elege mas sobretudo pelo que exige a quem — porque de outra forma não o era — é eleito.

Sim, os incêndios são apenas uma das muitas faces de um imenso território rural cada vez mais abandonado e esquecido -. e todas essas propostas, planos, programas, etc. em nome da coesão territorial têm dado tantos frutos como a prevenção de incêndios, isto é, nenhuns. Cidadãos de primeira para pagar impostos, de segunda muitas vezes em funções básicas — da segurança à mobilidade — em que o Estado sistematicamente falha na sua missão.

Nalguns casos felizmente o mercado minimiza as situações, com oferta de hospitais e clínicas privados, ou de colégios, bem como táxis ou segurança privada. Noutros, todavia, embora o padeiro ainda vá de aldeia em aldeia, nenhum privado vai arcar com o prejuízo de ter um autocarro a fazer quilómetros quase vazio (sim há um direito à mobilidade que não é respeitado, mas é o Estado que tem que o assegurar e pagar), obrigando o cidadão a ter um carro para uma emergência ou mesmo para ir à vila comprar o jornal.

Quer dizer, isso era até agora. Porque dizem-nos as notícias que a VASP — pelos vistos empresa que alcançou uma posição monopolista — vai deixar de distribuir nesse país de segunda categoria que fica para lá de Lisboa e arredores. Bem, é uma empresa como outra qualquer, que se não quer fazer, não faz. Não existe para assegurar vontades ao Estado, como outras também não, naquelas coisas que se o Estado quer assegurar e não tem quem o faça, ou paga, ou não há… E isto é válido para transportes ou saúde, segurança ou cultura, educação ou florestas.

Aqui entra a parte problemática: é que o Estado tem pouco dinheiro e pouca margem de manobra, por um lado, e por outro, tem tantos problemas para tentar resolver — de salários baixos de polícias ou professores à segurança ferroviária, passando por carências de habitação ou urgências fechadas, etc., etc… Pior: muitos destes problemas vêm de trás, e não só com este governo não têm melhorado, como para obter estes resultados negativos ainda assim a carga fiscal está em máximos e a despesa no Orçamento de Estado nunca cresceu tanto.

Assim, de facto, é impossível: ficamos nem beco sem saída. Mas é uma ilusão: há uma saída sim, embora exigindo coragem política para enfrentar interesses instalados, e vontade efetiva de mudar, não como propaganda para ganhar eleições e depois nada fazer, mas sim para trocar a estabilidade da lenta degradação por um salto para a prosperidade. Sem apoio popular? Não. Como dizia J.J. Rousseau, “o povo, por ele próprio, quer sempre o bem, mas, por ele próprio, nem sempre o conhece…”. O que exige dos governantes que expliquem esse “bem”.

Expliquem às pessoas que se ali a empresa X não põe em causa os direitos e garantias dos cidadãos, então o Estado não faz ali falta nenhuma. Faz falta é acolá, onde sem Estado esses direitos e garantias não existem. Expliquem às pessoas que quando elas exigem uma TAP pública, uma CGD pública, uma RTP pública, estão a contribuir para a serra pintada de negro pelo fogo no verão, uma vez que atrás dos seus votos os governos de turno canalizam os escassos recursos disponíveis para coisas que não fazem falta nenhuma ao interesse público.

As pessoas não são estúpidas. Se lhes explicarem que as coisas estão relacionadas, certamente percebem. Ou no mínimo, compreendem o racional por detrás das políticas. Mais ainda quando, nos exemplos dados, muitas delas nunca voaram na TAP ou nem voaram de todo, têm conta noutro banco, e assistem a tv por cabo ou nem sequer usam a tv, recorrendo a novas formas de entretenimento. Certamente se tiverem que escolher entre evitar que uma floresta desapareça pelo fogo ou que o preço certo não passe numa televisão privada mas sim pública, escolheriam a primeira opção.

Mas será mesmo o povo que não quer mudança? Ou manter tudo como está dá muito jeito aos governos do PS e PSD para jogar… tutti-fruti, a dança de cadeiras nas administrações de empresas públicas para favores partidários – aquela coisa que não envergonha José Luís Carneiro, embora os seus pares ataquem o PSD de Lisboa por fazerem precisamente o mesmo: arranjar uns tachos… Gonçalo Matias quer reformar o Estado sem despedimentos. Privatizando a RTP não está a despedir, os funcionários deixam simplesmente de ser públicos e passam a ser privados. O mal está nos tachistas, esses vão para o olho da rua. É esses que não quer despedir sr. Ministro?

E os candidatos presidenciais, o que acham disto? São a favor ou contra uma reforma do Estado? O que priorizam: prevenção contra incêndios ou uma RTP pública? Para quê? Para assegurar tratamento justo no espaço público? Para vermos o Jorge Pinto e a Catarina Martins em debates? Qual deles vai perguntar porque é que está a debater com Jorge Pinto e não com Joana Amaral Dias? Qual deles vai chamar a atenção para a ausência de Manuel João Vieira que já formalizou a candidatura enquanto Jorge Pinto anda a mendigar por assinaturas nas redes sociais?

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