
O Complexo Solar Fotovoltaico do Sado está em fase de apreciação prévia pela Agência Portuguesa do Ambiente.
Este Complexo prevê a ocupação de 1.272 hectares nos concelhos de Alcácer do Sal e Grândola, em zona de Rede Natura 2000 e outras áreas protegidas, como a Zona Especial de Conservação e a Zona de Protecção Especial do Estuário do Sado.
Dos 1.272 hectares totais do projecto, cerca de 30%, ou seja, 356 hectares, serão ocupados por 1.121.364 painéis fotovoltaicos. Para impressionar, costuma comparar-se hectares com campos de futebol, o que aqui daria mais de 400 campos de futebol! A área restante está destinada, essencialmente, à construção de caminhos e infraestruturas de apoio.
Os 356 hectares de painéis obrigam ao corte raso de pinhal manso, bravo e sobreiros. Também serão eliminadas pastagens e outras culturas. Saem pessoas e animais. Cria-se um deserto, para depois aí instalar os painéis.
Se o projecto for aprovado, como tudo indica, passaremos de uma grande floresta com árvores para uma enorme e horrenda floresta de vidro. E também de alumínio, aço e betão para as fundações.
Seria importante documentar em timelapse, para memória futura e para exibir perante as agências e os ministérios competentes, e aqui são vários, o arranque das árvores e a implantação de mais de um milhão e duzentos mil pequenos monstros. Julgo que esse registo não seria nunca autorizado.
O impacto nas pessoas que vivem e trabalham na área afectada por este projecto é difícil de imaginar. Não se pode substituir, de uma só vez, nem se pode apagar, o que ali esteve antes: actividade florestal, pecuária, agricultura, paisagem, vida. Não queremos florestas de vidro, queremos mais painéis fotovoltaicos nos telhados das nossas cidades.
Dito isto assim cruamente, porque é que estão projectos destes a ser incentivados e aprovados pela administração pública e pelos governos que se vão sucedendo? Porque é que não valorizam a floresta e as zonas protegidas que o Estado criou, em detrimento destas ocupações com estruturas desertificantes e monstruosas? Porque é que existem até planos e normas recentes para acelerar a construção de parques fotovoltaicos?
Supostamente, dizem, para promover a transição energética: substituir completamente a energia fóssil por energias renováveis e limpas, até ao ano 2050. Excluindo mesmo deste processo de substituição outras energias limpas, renováveis ou não, como a energia hidroeléctrica, geotérmica e nuclear, por exemplo. Net-zero, descarbonização total, sem mais. E excluindo também o facto de que o abate de árvores e o consequente desaparecimento da fotossíntese vai retirar da equação um dos mais importantes sumidouros de dióxido de carbono que temos. O contrário, portanto, que a energia solar pretende atingir.
Mas isso não é possível, não se consegue realizar, não é alcançável. Nem nos cenários mais optimistas alguém consegue explicar como as energias intermitentes, como a energia solar e eólica, podem substituir integralmente energias não intermitentes. As energias intermitentes apenas podem funcionar como complementares das não intermitentes, e não o contrário. Defender isso implica que o consumo seja reduzido brutalmente, o que é o inverso do que seria expectável.
E, para além disso, acontece que esta opção pela eliminação total dos combustíveis fósseis e pela descarbonização é uma ideia que se transformou num desígnio apenas dos países europeus, cujas emissões de CO2 correspondem a 11% das emissões no mundo inteiro. Nada ou pouco se passa a este respeito na China, Índia, Paquistão, Brasil, Estados Unidos, Indonésia, Nigéria, mais de metade da população do planeta, que mantêm a energia fóssil, ou voltaram a depender quase exclusivamente dela.
Isto faria, por si só, com que o objectivo de atingir zero emissões de dióxido de carbono até 2050 não tivesse qualquer efeito útil à escala global, a que acresceria o irreversível rombo financeiro que a sua implementação significaria.
Mas a inversão de marcha em relação à descarbonização total, ao net-zero, está em curso, mesmo na Europa. Veja-se o reconhecimento de que a substituição dos automóveis a combustível por automóveis eléctricos já não vai acontecer até 2030, como estava previsto e até consagrado em lei no Reino Unido. Também nos Estados Unidos vai ser levada à aprovação legislação que corta subsídios aos automóveis eléctricos. Provável é que, em vez da substituição radical e irrealista, passem a coexistir os dois tipos de veículos, bem como os híbridos.
Em Itália foi recentemente aprovada legislação que proíbe a instalação de parques fotovoltaicos em terrenos agrícolas. Na Alemanha e em França também existem limitações, mas não de carácter geral, como em Itália. Em Portugal temos a análise prévia dos estudos de impacto ambiental.
E no topo de tudo isto, a China tornou-se quase monopolista global no fabrico de painéis fotovoltaicos e seus componentes, utilizando maioritariamente, nessa indústria, combustíveis fósseis: irónico, no mínimo.
A guerra na Ucrânia, e as exigências em termos de investimentos no sector da defesa europeia, vão passar o European Green Deal para um plano subalterno. Ninguém fala nisso. Greta Thunberg envelheceu e mudou de causas. As COP estão à beira da extinção ou da irrelevância, depois das últimas, no Dubai e no Azerbaijão. A subsidiação dos governos às indústrias renováveis vai terminar, porque essas medidas não podem durar para sempre, e esse processo já começou. O dinheiro não cresce nas árvores, muito menos nas que vão ser cortadas.
Tudo isto tem contribuído para uma discreta substituição da política ambiental agressiva, que indicava o caminho do net-zero, pelo “not-zero”. Os teóricos do “aquecimento global”, depois “alterações climáticas” e agora apenas “eficiência energética”, têm evoluído de conceito em conceito, à medida que vão encontrando argumentos intransponíveis, da parte de especialistas com opiniões contrárias. O que já é uma melhoria, pois a histeria inicial dos catastrofistas do clima destruía qualquer opositor, com a mera acusação de que estariam a quebrar o consenso. Como se a própria ciência não fosse sempre o contrário do consenso. Como se não tivesse sido a falta de consenso da ciência que nos fez evoluir e melhorar as nossas vidas ao longo dos séculos.
Em bom rigor, o estafado uso do termo “alterações climáticas” é enganador, dado que o clima não é uma realidade estática: está sempre em processo de alteração, por motivos ligados à intervenção humana, mas também, e principalmente, por outros motivos externos: ou a Terra não gira à volta do Sol? Os alertas talvez devessem ter escolhido o termo “perigos climáticos”, que na verdade existem e sempre existiram.
A eficiência energética, como conceito substituto dos anteriores, aponta para uma gestão e consumo racional da energia, o que parece ser fácil de entender e aceitar, mas esconde, por outro lado, uma realidade que sempre esteve presente nos movimentos ambientalistas mais extremistas: um menor consumo de energia, como forma de criar o menor impacto humano possível na natureza.
Este objectivo levanta várias questões que sempre estiveram na base de toda a discussão em torno da energia e da evolução humana. Não é possível defender que a natureza tem um equilíbrio original e que a intervenção humana o tem vindo a destruir. A natureza em estado bruto é hostil à nossa sobrevivência. Não permite a nossa existência sem graves riscos, nem melhoramento das nossas condições de vida. Tudo começou, certamente, com a “construção” da primeira caverna, da primeira tenda, de povoações, da caça e da pesca, da agricultura, dos transportes, do aquecimento doméstico ou da medicina.
Em oposição à tese do não impacto humano na natureza, deveria ser considerada a opção pelo melhoramento das condições de vida, aumento da expectativa de vida e sobrevivência, que sugere o caminho oposto: o desenvolvimento das formas de energia e seu alargamento a todas as pessoas, em todo o lado, em qualquer momento.
A menor produção e consumo de energia, o objectivo da tese da redução do impacto, está em contradição com as necessidades de mais energia, de muito mais energia, tanto para o mundo que ainda não dispõe dos mínimos já disponíveis no mundo mais desenvolvido, como para o avanço de tecnologias essenciais, como a inteligência artificial (ou machine learning).
Os perigos climáticos que vêm com o aumento do impacto da actividade humana, como o efeito de estufa causado pelas emissões de CO2, e outras causas, como o metano e o óxido nitroso, serão resolvidos ou mitigados com a evolução da Ciência, com a investigação científica; não com políticas abolicionistas e catastrofistas.
O caminho de regresso ao menor impacto humano na natureza vai acabar sempre no Malthusianismo, ou em ideias irmãs desse tipo de pessimismo. Vai acabar em propostas de redução da população mundial. Isso é incontestável. Não há maneira de alimentar, alojar e manter vivos oito mil milhões de pessoas, e sempre a crescer, sem mais energia.
O caminho oposto do melhoramento das condições de vida da população mundial aponta para a produção e consumo de mais energia, com recurso à investigação e inovação tecnológica, incluindo a resolução dos problemas que vão sendo criados pelo impacto humano na natureza, como os perigos climáticos causados pelo efeito de estufa.
Esta é uma grande diferença de posições. A preocupação com o ambiente, que assumiu nas últimas décadas a importância que deve ter, não é compatível com o retrocesso que a diminuição de impacto humano representa. A par desta preocupação, tem de ser mais valorizada a nossa qualidade de vida, a retirada das pessoas da pobreza e a garantia do nosso futuro no planeta.
Não queremos voltar aos dinossauros, queremos melhores condições, mais vida. Antes mesmo da ciência que nos conduz nesse caminho, a filosofia pode ajudar-nos a pensar. Uma boa dupla.
Para acompanhar a leitura deste artigo: “Always the Sun”, The Stranglers.