Florestas e alterações climáticas

Florestas e alterações climáticas: caminhos e lacunas para reforçar mitigação na Europa

O EFI – Instituto Europeu da Floresta disponibilizou um novo estudo de revisão científica sobre florestas e alterações climáticas. Com base no conhecimento científico disponível, identifica caminhos e lacunas para reforçar o papel das florestas nas estratégias de mitigação e adaptação, no contexto das desafiantes metas europeias de 2030 e 2050.

Divulgado no decorrer de uma conferência promovida pelo EFI sobre “Como reforçar o contributo das florestas para atingir as metas climáticas na UE”, o estudo “Estratégias com base na floresta para mitigação e adaptação aos efeitos das alterações climáticas na Europa” foca três aspetos centrais relacionados com florestas e alterações climáticas:

  • Revê e sintetiza a literatura científica sobre as metas e o potencial de remoção de gases com efeito de estufa (GEE) e de mitigação dos efeitos das alterações climáticas proporcionado pela floresta e pelas atividades florestais nos 27 Estados-Membros da União Europeia (UE27), e adicionalmente pela Noruega, Suíça e Reino Unido (UE27+3), identificando este potencial nos diferentes países;
  • Revê os impactes das alterações climáticas nos ecossistemas florestais – incluindo perturbações, que são por vezes esquecidas nas análises e projeções –, nas atividades florestais, indústrias florestais e mercados de produtos lenhosos;
  • Revê as políticas e ferramentas disponíveis para estimular o armazenamento de carbono e fornece recomendações sobre as políticas que podem apoiar os decisores a maximizar o potencial das atividades baseadas na floresta para mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Ao longo das suas mais de 70 páginas, o documento sublinha a importância dos ecossistemas florestais na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, mas deixa um alerta claro: é necessário um conhecimento global e integrado, que não existe, sobre as opções a seguir para que as florestas e os produtos lenhosos possam reforçar o seu contributo enquanto sumidouros e reservatórios de carbono.

O conjunto das florestas e dos produtos lenhosos da UE removem, atualmente, cerca de 380 megatoneladas de gases equivalentes a dióxido de carbono (MtCO2eq) por ano da atmosfera, o que compensa aproximadamente 10% das emissões anuais de GEE da UE, refere o documento.

As metas propostas pela Comissão Europeia para o sector LULUCF – que abrange o uso do solo, as alterações do uso do solo e as florestas, incluindo também os produtos de madeira –, elevam em muito esta fasquia, com objetivos de remoção adicionais de:

– mais 50 MtCO2 eq por ano até 2030,
– mais 100 MtCO2 eq até 2035,
– e mais 170 MtCO2 eq até 2050.

Estas já ambiciosas metas tornam-se mais difíceis de alcançar quando sabemos que os efeitos das alterações climáticas já se fazem sentir, com impactes que se estendem à saúde e resiliência das florestas, que as emissões de GEE continuam a aumentar – 2019 teve as maiores concentrações de dióxido de carbono dos últimos 2 milhões de anos – e que a temperatura média global já aumentou 1,09°C entre 2011 e 2020, face ao período pré-industrial.

As projeções não indicam que estas tendências se invertam rapidamente. Acresce que a literatura científica disponível aponta que as remoções de CO2 pelas florestas e produtos lenhosos deverão diminuir no período de 2030 a 2050.

Neste sentido é urgente saber mais sobre florestas e alterações climáticas para aumentar o potencial de mitigação que pode ser proporcionado pelas florestas e pelos produtos de base florestal, promovendo soluções para a remoção e sequestro adicionais.

Caminhos para reforçar o contributo da floresta

A literatura disponível indica que as atividades relacionadas com a proteção, gestão e restauro das florestas na UE27 poderão fornecer um potencial de mitigação adicional de 132 MtCO2 eq ano até 2050 (142 MtCO2 eq ano se juntarmos Noruega, Suíça e Reino Unido). No entanto, cada uma das atividades que integram a proteção, gestão e restauro tem estimadas diferentes capacidades de mitigação, que variam entre 10 e os 105 MtCO2 eq até 2050.

Da mesma forma, as atividades relacionadas com as aplicações da madeira – e o seu uso em produtos de maior valor – poderão contribuir, em média, para mitigar mais 12 MtCO2 eq por ano na UE27 (13 MtCO2 eq na UE27+3). Diferentes aplicações trazem também contributos diferenciados, que podem ir dos -0.5 aos 14 MtCO2 eq.

O estudo sublinha que estas diferentes atividades florestais se intersetam e é, por isso, necessário ter em consideração que a opção por determinada atividade pode ter efeitos sobre o potencial de mitigação de várias outras: por exemplo, se nas atividades de gestão se optar por reduzir os cortes florestais teremos menos madeira, o que levará a um menor contributo dos produtos lenhosos para a mitigação de GEE. E as consequências far-se-ão sentir também noutros elementos e serviços do ecossistema florestal, como a adaptação das florestas aos efeitos das alterações climáticas e a biodiversidade.

Segundo o documento, o potencial total de mitigação poderá ser alcançado pela combinação das atividades que tenham menos impactes negativos cruzados.

As atividades de mitigação, incluindo “evitar a desflorestação”, “florestação e reflorestação”, e as “alterações de usos da madeira”, com o seu “uso em cascata” e “aumento de eficiência” têm efeitos limitados entre si. No entanto, quando combinadas, podem fornecer um potencial adicional de mitigação de até 72 MtCO2 eq por ano até 2050 na UE27 (78 MtCO2 eq por ano na UE27+3). Essas atividades conjugadas têm também impactes limitados sobre a perda de biodiversidade.

Este potencial adicional pode ainda aumentar com as seguintes condições:

  • 125 MtCO2 eq por ano, quando combinado com atividades de conservação florestal (136 MtCO2 eq ano na UE27+3), ou
  • 138 MtCO2 eq por ano, quando combinado com outras práticas de gestão florestal ativa (150 MtCO2 eq ano na UE27+3), ou
  • 143 MtCO2 eq por ano, quando combinado com a diminuição do corte florestal (155 UE27+3 ano-1 na UE27+3).

Estes dados, decorrentes de estimativas baseadas no conhecimento científico disponível, sugerem que, mesmo com as conjugações mais virtuosas, será um desafio significativo conseguir alcançar as metas climáticas europeias que o sector LULUCF tem traçadas para 2035 e 2050 através da mitigação proveniente das florestas e sector florestal.

Falta uma abordagem global e integrada

Estimar quanto investimento será necessário para implementar as medidas de mitigação de base florestal é outra questão que se mantém em aberto, uma vez que a informação disponível é limitada. A que existe indica que cerca de um quarto dos esforços de mitigação tecnicamente atingíveis por atividades baseadas na floresta equivaleria a despender aproximadamente 88 euros por cada tonelada de CO2 eq captada.

A falta desta informação é uma das carências que precisa de ser colmatada, mas não é a única. Todas as projeções feitas neste estudo resultam da análise de trabalhos científicos anteriores efetuados com diferentes propósitos, metodologias e variáveis, o que comporta um elevado grau de incerteza. Ultrapassá-lo implica um esforço científico e político que permita uma abordagem global e integrada da floresta e das aplicações da madeira.

Nesta abordagem, é essencial considerar todos os fluxos e reservatórios de carbono que são relevantes nos ecossistemas florestais (biomassa, madeira morta e solo) e nos produtos lenhosos, não esquecendo também as emissões que são evitadas pela substituição de materiais e energia, e os impactes a montante e jusante que têm as medidas de mitigação até 2050 (e também após esta data, pois o esforço de mitigação terá de prosseguir para além deste horizonte temporal).

Em paralelo, importa ter em conta que as atividades de mitigação com base na floresta não se fazem de forma isolada. Têm implicações em múltiplos outros sectores e são impactadas pelas iniciativas que neles decorram – da agricultura à energia, passando pela preservação de recursos naturais e serviços do ecossistema, desde o solo à água e à biodiversidade. Existem situações que podem ser conflituantes entre estes sectores (face às metas que lhes estão traçadas politicamente), da mesma forma que existem sinergias cruzadas a explorar.

Outro dos alertas feitos pelo estudo relaciona-se com a escala temporal. Tendo em conta que as florestas são sistemas dinâmicos, determinada medida de mitigação com bom desempenho no médio prazo, poderá não o manter no longo prazo. Por exemplo, maximizar o armazenamento de carbono em ecossistemas florestais através da redução de cortes e da promoção de floresta de conservação terá ganhos decrescentes à medida que estas florestas envelhecem ou, seja, que as suas taxas de crescimento diminuem.

O estudo reforça ainda a necessidade de incorporar nesta visão as fragilidades que a floresta sentirá de forma crescente pelos efeitos das alterações climáticas que já se fazem sentir, assim como a complexa tarefa de envolver milhares de intervenientes neste sector, incluindo proprietários e indústrias.
É com base nestas (e noutras) conclusões que deixa aos decisores e legisladores um vasto conjunto de recomendações.

Aceda aqui ao estudo “Estratégias com base na floresta para mitigação e adaptação aos efeitos das alterações climáticas na Europa” ou veja o vídeo do evento.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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