
Vamos pensar ao contrário. Se, por regra, falhamos nas políticas públicas que exigem um plano de acção coerente e uma execução consistente ao longo de muitos anos, porque é que com a floresta havia de ser diferente?
Os exemplos não faltam. Habitação, Serviço Nacional de Saúde ou obras públicas estruturantes como o novo aeroporto ou o desenvolvimento da ferrovia são áreas onde estamos hoje a pagar os custos da falta de planeamento e de execução que deviam ter acontecido há muitos anos.
Com a floresta e a prevenção dos incêndios que regularmente atingem proporções dantescas não se passa nada de diferente. Voltou a acontecer este ano, como em 2022 já tinha acontecido na Serra da Estrela, em 2017 na região centro — por duas vezes e com uma perda assustadora de vidas humanas — e antes disso em muitos anos que as estatísticas registam. De falta de coerência é que não podem acusar-nos.
Fazer o que deve ser feito não dá votos, muito menos no curto período de quatro anos de uma legislatura. E o inverso também é verdadeiro. A experiência diz-nos que a floresta ardida não faz perder votos, mesmo quando morrem muitas pessoas.
Não há, portanto, nenhum incentivo político para que as coisas se passem de forma diferente.
A isso soma-se a complexidade do assunto. Mudar alguma coisa estrutural na floresta obriga a um alinhamento de planos, de acções e de objetivos entre dezenas de entidades públicas. Requer uma coordenação forte entre o Estado central e o poder local. Precisa de importantes contributos dos registos de cadastro das propriedades mas também de medidas penais para os incumpridores a vários níveis. Exige que se estudem os incentivos e medidas certas para uma série de partes interessadas, que vão do pequeno proprietário de um pedaço de terreno abandonado às grandes empresas proprietárias de floresta. Requer sensibilização, mudanças de hábitos e de espírito cívico.
Ou seja, este é um problema que precisa de todos os ingredientes em que, por regra, somos medíocres: estudo e planeamento, acção coordenada e colaboração entre várias “capelinhas”, estabilidade de políticas, avaliação e eventuais correcções.
Muito mais do que os pacotes legislativos a que os governos se dedicam com afinco quando a terra ainda está quente e que, por regra, ou ficam por aplicar ou produzem resultados pífios.
Não acreditando em milagres, o mais pragmático que temos a fazer é encarar os fogos florestais como se encaram os sismos: nada podemos fazer para os evitar. Resta-nos, por isso, rezar para que causem poucos danos quando ocorrem, cuidar dos vivos e enterrar os mortos.