Fogos de setembro de 2024 expuseram “fragilidades crónicas” do sistema

Relatório estima prejuízos de 67 milhões de euros na floresta em 2024

Os incêndios de setembro de 2024 expuseram “fragilidades crónicas” do sistema ao nível da cooperação entre entidades nacionais e regionais e no comando e controlo das operações, concluiu a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).

“A resposta apresentou ainda algumas debilidades, nomeadamente na capacidade instalada para gerir com eficácia em simultâneo vários eventos complexos, agravadas pela incompleta gestão dos espaços rurais, necessidade de mais fiscalização, sobretudo nas zonas de interface urbano-rural e também de programas mais eficazes de segurança comunitária”, escreve a AGIF no relatório de 2024 do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) hoje entregue na Assembleia da República e ao Governo.

No documento, a AGIF, liderada por Tiago Oliveira, sublinha que apesar de o alerta de risco extremo ter sido emitido com 72 horas de antecedência, nos incêndios de setembro de 2024 registaram-se “problemas na coordenação estratégica”, que “limitaram a preparação”, e criaram dificuldades “na cooperação entre entidades nacionais e regionais” que “dificultaram a organização dos recursos”.

Aquela entidade considera também que “os eventos extremos de setembro destacaram a vulnerabilidade do sistema a picos de severidade meteorológica, apesar da tendência geral de redução no número de dias de elevado risco”.

“No entanto, os incêndios de setembro expuseram, mais uma vez, fragilidades crónicas, como assegurar capacidade de antecipação, planeamento e comunicação, assegurar comando e controlo das operações, das múltiplas equipas envolvidas, garantindo especialização e o emprego das técnicas perimetrais com ferramentas, fogo e maquinaria e reforçar a qualidade da decisão na gestão dos recursos de vigilância, supressão e logística”, precisa o relatório.

A AGIF destaca os “avanços e resultados positivos” no SGIFR nos últimos cinco anos, mas os incêndios de setembro de 2024 “vieram expor fragilidades crónicas” já identificadas em relatórios anteriores e que “não permitem, ainda, assegurar a visão até 2030 de um Portugal protegido de incêndios rurais graves”.

No documento, a AGIF fala “de um sucesso coletivo na diminuição acentuada de ignições e da frequência de grandes incêndios”, no entanto alerta que em algumas regiões densamente arborizadas, como o Norte e o Centro litoral, o abandono de terras e a insuficiente gestão florestal conduziram “a resultados dramáticos”, sobretudo na sequência de incêndios não extintos no ataque inicial.

No ano passado foram registadas 6.255 ocorrências de fogo, representando uma redução de 17% relativamente a 2023.

No período pós-2017 (2018-2024), registaram-se em média 9.304 incêndios por ano, o que representa uma diminuição de 63% face à média anual do período de 2001- 2017, que era de 24.950 ocorrências.

Segundo a AGIF, esta tendência de diminuição manteve-se mesmo nos dias de meteorologia severa, com quedas de 54% na comparação dos mesmos períodos.

Por sua vez, a área ardida no ano passado foi de 137.667 hectares, quatro vezes mais do que no ano anterior. Nos últimos sete anos (2018-2024), registaram-se em média 66.360 hectares de área ardida, o que revela uma diminuição de 59% face à média anual do período de 2001- 2017, que era de 161 437 hectares.

O relatório indica que 92% da área ardida durante todo o ano de 2024 foi registada no mês de setembro.

Tal como já alertava no relatório de 2023, a AGIF no documento hoje divulgado volta a salientar que a redução do número de ocorrências e da área ardida sem gerir o pós-fogo “faz com que se acumule vegetação fina, arbustiva e arbórea, que alimenta incêndios mais rápidos e severos”, correndo o país o mesmo risco de 2017.

“A falta de intervenção com escala na restante área verde registada nos últimos sete anos, pode potenciar a destruição de mais de 750 mil hectares num só ano, bem como afetar locais, infraestruturas e comunidades urbanas”, alerta.

A AGIF adianta ainda que entregou ao Governo um relatório relativo aos grandes incêndios de 2024, no qual aponta melhorias a introduzir no sistema, como maior qualificação e capacidade na tomada de decisão, recuperação de áreas ardidas, maior transparência do risco, diminuição dos incentivos à construção em zona de interface e reforço da dimensão de gestão da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.

Relatório estima prejuízos de 67 milhões de euros na floresta

Os incêndios rurais de 2024 provocaram 16 mortos, dezenas de habitações e indústrias destruídas, um prejuízo de 67 milhões de euros na floresta e a emissão de 0,69 megatoneladas de dióxido de carbono, o mais elevado desde 2017.

“Apesar deste conhecimento e da prontidão dos meios materiais e humanos, houve perdas significativas num conjunto de comunidades, que viram ocorrer 16 vítimas mortais, dezenas de habitações e indústrias destruídas ou danificadas, e mais de 135 mil hectares ardidos, com um valor estimado de 67 milhões de perdas, a que acresce, ainda, a emissão de 0,69 megatoneladas de equivalente a dióxido de carbono, o valor mais elevado desde 2017”, destaca o documento.

Os 16 mortos – nove operacionais, quatro vítimas de queimadas e doenças súbitas e três vítimas diretas – registados em 2024 foram o maior número desde 2017, quando morreram nos fogos 119 pessoas.

Segundo o documento, a perda total de valor económico, incluindo materiais (madeira, resina, cortiça), biomassa para energia, frutos e carbono armazenado, atingiu cerca de 67 milhões euros no ano passado, afetando 2,36 milhões de metros cúbicos de madeira.

A AGIF avança que os maiores prejuízos foram em madeira, resina e cortiça (48,5 milhões de euros), seguidos por carbono armazenado (15,8 milhões de euros), biomassa para energia (2,4 milhões de euros) e frutos (357 mil euros).

Aquela entidade refere igualmente que em 2024 os incêndios rurais resultaram na emissão de 686.090 toneladas de carbono, o maior volume do período 2018-2024, mas ainda assim abaixo (-11%) do valor médio do período 2001-2017 com 717.557 toneladas.

No ano passado foram registadas 6.255 ocorrências de fogo, representando uma redução de 17% relativamente a 2023, enquanto a área ardida foi de 137.667 hectares, quatro vezes mais do que no ano anterior.

O relatório indica que 92% da área ardida durante todo o ano de 2024 foi registada no mês de setembro, evidenciando estes valores “a necessidade de reforçar estratégias de mitigação, sobretudo perante cenários meteorológicos extremos, que se verificaram em setembro, e que potenciaram a elevada severidade verificada”.

A AGIF frisa que o total de 137.651 hectares ardidos em 2024, ultrapassou em mais do dobro o limite anual de 60.000 hectares previstos no PNGIFR (Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais).

O mesmo relatório dá também conta que a concentração de área ardida em setembro afetou sobretudo as regiões Norte e Centro, onde 71% e 75% da área ardida, respetivamente, ocorreram em dias de meteorologia severa, contrastando com a menor severidade observada nas restantes regiões.

Para a AGIF, estes dados sublinham a necessidade de estratégias regionais diferenciadas, com foco na prevenção e resposta rápida nas áreas mais críticas do Norte e Centro.

Ao contrário do que vinha acontecendo desde 2018, o incendiarismo destacou-se como o principal responsável pela área ardida, indicando o documento que as investigações permitiram concluir que o fogo posto esteve na origem de 84% da área ardida, ou seja, de uma área de 84.242 hectares.

Nesse sentido, a AGIF sugere medidas para “mudança de comportamentos” e “dar prioridade às medidas de prevenção do alcoolismo, dependências e saúde mental, no controlo e acompanhamento de reincidentes e na vigilância de comportamentos, com visibilidade e capacidade de dissuasão”.

“Na dimensão social, a proporção de danos causados pelo incendiarismo, responsável por 50% da área ardida no Norte e 75% no Centro, vem exigir, mais uma vez, que as entidades públicas se concentrem nas medidas de prevenção e vigilância de comportamentos, com reforço na sua capacidade de dissuasão. Por outro lado, a redução do número de ocorrências estará a alterar em baixa a perceção do risco não apenas junto das populações, mas também dos decisores, o que poderá comprometer a prioridade dada à prevenção dos incêndios rurais”, conclui o relatório.

Veja a reportagem na CNN Portugal.


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