Fósseis desvendam espécies antigas e trazem pistas sobre a evolução das plantas

Novas espécies de plantas, atualmente extintas, têm sido desvendadas a partir de vestígios fósseis da época do Cretácico – há cerca de 140 milhões de anos – ainda os dinossauros povoavam o planeta. Portugal é um país com condições geológicas privilegiadas para estas descobertas que, além de revelarem uma parte desconhecida da nossa flora, trazem importantes pistas sobre a evolução das plantas e do clima.

Em 2022, duas novas coníferas identificadas por Mário Miguel Mendes, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, e professor na Universidade de Coimbra, foram dadas a conhecer em revistas científicas internacionais.

No final de 2022, foi divulgada uma nova espécie de conífera pertencente a uma família já extinta, Cheirolepidiaceae. Os fósseis estavam numa sucessão sedimentar do Cretácico Inferior, na Figueira da Foz, e a nova espécie foi batizada como Pseudofrenelopsis zlatkoi.

O primeiro nome deve-se às suas semelhanças com outra planta, a Pseudofrenelopsis parceramosa, mantendo este fóssil um conjunto de diferenças suficientes para ser considerada uma espécie autónoma – “cutícula mais fina, áreas nodais expandidas e entrenós sulcados”, refere em comunicado a Universidade de Coimbra. O segundo nome é uma homenagem ao antigo professor e conhecido paleobotânico Zlatko Kvaček da Universidade de Charles, em Praga.

“Os frenelopsídeos são extremamente importantes porque, a par dos pólenes que produzem (…) dão indicações ambientais muito precisas, nomeadamente, a existência de ambientes secos e áridos”, explicou o cientista.

 

Fóssil de Pseudofrenelopsis zlatkoi: Escala (1) – 3 mm; (2, 3) – 1 mm
© Universidade de Coimbra

Alguns meses antes, o mesmo investigador tinha dado a conhecer outra nova conífera do mesmo período Cretácico Inferior, a Frenelopsis antunesii, também identificada a partir de registos fósseis encontrados no mesmo local – o sítio da Carregueira, que integra a chamada Bacia Lusitaniana.

As características morfológicas e anatómicas analisadas sugeriram uma vez mais tratar-se de uma planta que cresceu num clima semiárido a árido. Cutícula espessa e folhas muito reduzidas são exemplos e estas características da Frenelopsis (e de outras frenelopsídeas) poderão estar relacionadas “com estratégias de adaptação e sobrevivência” a estes ambientes secos, chamados de ambientes xéricos, explica o investigador.

A evolução das plantas e como surgiram as plantas com flor

A investigação de Mário Miguel Mendes tem-se centrado no estudo das floras do Cretácico português e tem por principal intuito compreender como seriam as plantas que cobriam esta região na época em que começaram a surgir as plantas com flor – as angiospérmicas. Desvendar este enigma implica saber mais sobre as condições, nomeadamente climáticas, que contribuíram para o aparecimento, expansão e diversificação de espécies destas plantas com flor, que antes do Jurássico, há cerca de 200 milhões de anos, não existiam.

Recorde-se que esta transição das plantas de sementes nuas, ou seja, que não produzem flores nem frutos para as plantas com flor é um dos maiores mistérios da evolução das espécies botânicas. As gimnospérmicas (que têm hoje nas coníferas as mais diversificadas representantes) dominavam a flora terrestre nos milhares de anos que precederam o Cretácico, mas acabaram por se tornar menos representativas do que as angiospérmicas, que passaram a dominar a floresta no Cretácico Superior.

Estudar estes fósseis ajuda, assim, a conhecer a evolução das plantas, mas também a tirar ilações sobre as alterações mais amplas, do clima e da ecologia, que terão levado às grande alterações, extinções e “explosões” de biodiversidade ao longo dos diferentes períodos geológicos.

Aprofundar estes conhecimentos – e nomeadamente os que se relacionam com a eclosão das plantas com flor – têm sido objetivos deste cientista português, que há já vários anos trabalha em parceria com instituições internacionais, incluindo o Museu de História Natural Sueco, em Estocolmo, a Universidade de Aarhus (Dinamarca), a Universidade de Yale (Estados Unidos da América) e o Museu Nacional de Praga (República Checa).

Foi no mesmo âmbito que encontrou estruturas femininas e masculinas de plantas fossilizadas antes desconhecidas dos cientistas e que contribuíram para criar um grupo de plantas, entretanto batizado como grupo BEG – que integra as ordens BennettitalesErdtmanithecales e Gnetales (as duas primeiras já extintas e a última representada por apenas uma família), contemporâneas das primeiras plantas com flor, no início do Cretáceo.

A análise dos vestígios encontrados, nomeadamente das estruturas reprodutoras, indica semelhanças com as das plantas com flor, colocando a hipótese de as BEG poderem ser um grupo de transição entre as plantas sem flor (gimnospérmicas) e as plantas com flor(angiospérmicas).

A ‘invenção’ da flor, e de todos os caracteres que lhes estão associados, revolucionou a vida na Terra. Entre outras consequências, as inovações adaptativas aportadas pelas plantas com flor abriram novas oportunidades evolutivas e de diversificação para os animais”, refere a obra “Paleo-história e história antiga das florestas de Portugal Continental – Até à Idade Média”, onde se sublinha também que “os substratos geológicos do território continental português são suficientemente antigos para neles se ter desenrolado uma versão muito completa da história evolutiva das plantas terrestres”.

Portugal é local privilegiado para estudar evolução das plantas

Há muitos milhões de anos (230 a 540 milhões), o planeta Terra tinha apenas um grande continente, envolto por mar. Esta grande massa continental, a que deram o nome de Pangeia (do grego “Pan”, que significa todo ou unido, e “Gea”, que significa terra), começou a fragmentar-se e a separar-se, “empurrada” pela deslocação das placas tectónicas, formações rochosas que cobrem a superfície do nosso planeta, tanto em terra como no oceano, e que se mantêm num lentíssimo, mas constante movimento.

Esta separação, conhecida como Deriva Continental, terá começado há cerca de 230 milhões de anos, durante o chamado Período Triássico, o mesmo em que terão surgido os primeiros dinossauros. A movimentação dos blocos terrestres continuou ao longo do tempo e deu lugar aos continentes e oceanos com a formação que hoje conhecemos. Esta deriva continental continua a acontecer, de forma tão lenta que se torna impercetível, mas há cientistas a defender a hipótese dos continentes voltarem a juntar-se num só, daqui a cerca de 300 milhões de anos.

Quando o oceano Atlântico se abriu, formou-se a oeste da europa uma bacia – chamada Bacia Lusitaniana – onde se podem encontrar fósseis de partes de plantas, desde pólen a sementes, de muitas fases destes tempos remotos, nomeadamente de diversas etapas do Cretácico (cerca de 145 a 65 milhões de anos), período geológico que terminou pela altura em que os dinossauros se extinguiram.

Com uma extensão de mais de 20 mil quilómetros quadrados que se estende entre Porto e Setúbal e com dois terços emersos (fora de água), esta Bacia abrange áreas do território português como Figueira da Foz, Coimbra, Leiria, Peniche, Lourinhã, Ericeira, Sintra e Arrábida, entre outras, com zonas que preservam vestígios de vida fossilizados, “guardados” em camadas sobrepostas de sedimentos que se acumularam ao longo de milhões de anos.

Pelas suas características, a Bacia Lusitaniana é um dos locais que tem trazido a Portugal investigadores de muitas partes do mundo interessados na paleobotânica, que muitas vezes levam consigo, sem que haja qualquer controlo nem autorização, vestígios do passado que nunca serão recuperados pelo nosso país. É também um dos locais de estudo e recolha de materiais mais relevante para o investigador do MARE.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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