Fresa como Fénix renascida das cinzas

“A fénix era um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em autocombustão e ressurgia das próprias cinzas.”

Uma fresa é uma máquina com facas que serve para cortar e mexer a terra antes de sementeiras ou plantações. Esta fresa, comprada pelo meu pai em 1980, estava parada há meia dúzia de anos, encostada a uma parede, substituída por uma máquina maior que comprei há 22 anos e já troquei por outra mais perfeita no trabalho. Para pequenos trabalhos do quintal o motocultivador do Hugo costumava bastar. Quanto a esta fresa, com a falta de uso, o calor do verão e a nossa preguiça, ervas trepadeiras cobriram-na e abafaram-na. Se algum sucateiro tivesse passado cá por casa era capaz de a ter vendido por dois tostões.

A geada de inverno murchou as ervas que cobriam a fresa. A necessidade de preparar um pequeno talhão de terreno para as primeiras batatas sem mexer na fresa grande que está parafinada à espera das lavouras para o milho levou-me a olhar de novo para esta máquina. Seria ainda capaz de funcionar? Recordo-me que parou a trabalhar. Faltava-lhe apenas um “perno” necessário para engatar ao trator. Fui buscá-lo a um velho pulverizador também encostado. Desencravei o cardan. Lubrifiquei cruzetas, veios e caixas com rolamentos e rodas dentadas que não viam massa e óleo há anos. Tirei uma verga de ferro que estava enroscada e encravada no veio das facas.

Fui buscar o trator que o meu pai comprou com esta fresa. Ainda me lembro da surpresa e da alegria que senti, com 6 anos, ao ver um trator novo na garagem, do cheiro a tinta, das letras douradas da fresa. Italy – Maletti. Comecei a conduzir muito cedo com esse trator, demasiado cedo para os padrões atuais. Quem olhava ao longe pensava que o trator andava sozinho no campo.

Recordei estas memórias enquanto preparava um talhão que terá pouco mais de 10m x 10, satisfeito porque recuperei uma máquina e completei uma tarefa. Não ficou um trabalho perfeito porque algumas facas estão muito gastas, mas vamos colocar facas novas e dar mais alguns retoques. A ida para a sucata fica adiada por mais uns anos. Velhos são os trapos. Esta máquina ainda foi útil. Pensei também nos velhos que se sentem inúteis e sós, mais sós com a pandemia que não fomos capazes de controlar e mais sós com o confinamento a que temos de voltar para os proteger. Espero que esta pequena história, além do entretenimento, seja um alento para os mais velhos e um desafio para os mais jovens quebrarem esse isolamento dos mais velhos. Enquanto há um fio de vida, por pouco que seja, podemos ser úteis.

#carlosnevesagricultor

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O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.


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