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Gestão agrupada: valorizar a floresta para inverter o abandono

A gestão agrupada é um dos caminhos apontados para inverter os baixos índices de gestão florestal e os elevados níveis de abandono observados em zonas rurais, em particular nas zonas do país onde predomina a pequena propriedade. Conheça dois exemplos de agrupamentos que têm trabalhado para aumentar a resiliência e o valor da floresta, apoiando as respetivas comunidades.

Aldeias semidesertas onde permanece uma população envelhecida e terrenos ao abandono que contribuem para uma maior fragilidade do território. É este o cenário de boa parte do nosso país, principalmente nas zonas rurais de pequena propriedade no Norte e Centro. Para dinamizar estas comunidades, promover condições socioeconómicas que atraiam e fixem pessoas, e aumentar a resiliência dos respetivos territórios florestais têm surgido vários projetos de gestão agrupada de floresta, particularmente importantes nas regiões de baixa densidade.

Na criação destas zonas sob gestão conjunta, “as associações de produtores florestais têm desempenhado um papel muito importante”, salienta Margarida Tomé, engenheira florestal e professora do ISA – Instituto Superior de Agronomia, para quem “é fundamental encontrar formas de envolver os proprietários e com as quais fiquem satisfeitos”, sem esquecer que cada zona é diferente e as soluções têm de ser adaptadas.

Da cooperação entre pequenos proprietários esperam-se benefícios económicos, sociais e também ambientais, defende Paula Simões, economista e professora do Instituto Politécnico de Leiria. Recorde-se que este instituto integra o projeto Floresta Conjunta que, entre os seus trabalhos, desenvolveu o documento “Gestão Conjunta da Floresta – abordagem exploratória ao caso português” que sublinha: estes benefícios serão “tanto maiores quanto maior for a sensibilidade dos proprietários às questões da conservação dos recursos naturais e à preservação dos processos ecológicos”.

A percentagem de floresta portuguesa que conta com planos de gestão florestal é das mais baixas da Europa. O facto de os territórios florestais, sobretudo a Norte, serem muito fragmentados e de se desconhecer, em muitos casos, quem são os seus proprietários, dificulta iniciativas de gestão agrupada e de gestão à escala da paisagem.

As soluções de gestão agrupada têm sido estimuladas pelas políticas florestais e de coesão territorial. A iniciativa mais recente está integrada no Programa de Transformação da Paisagem e conta, entre outras, com a figura jurídica das AIGP – Áreas Integradas de Gestão da Paisagem. Lançadas em 2020, as AIGP pretendem responder à necessidade de ordenamento e gestão da paisagem, assim como ao aumento de área florestal gerida a uma escala capaz de aumentar a resiliência aos incêndios, a valorização do capital natural e a promoção da encomia rural. Em 2021, a constituição destas áreas superou as expectativas, com a formalização de 70 contratos-programa, quando o objetivo era chegar aos 60 até 2023.

Mas além destas soluções institucionais, que estão a dar os primeiros passos no início de 2022, contam-se várias iniciativas de gestão agrupada nascidas entre proprietários, como aconteceu na Associação Florestal do Baixo Vouga, na região de Aveiro. Outro exemplo, na esfera da propriedade comunitária, é o da Baladi – Federação Nacional de Baldios, que tem vindo a promover o agrupamento de baldios para fins de gestão em vários distritos do Norte e Centro.

Gestão agrupada no Baixo Vouga rumo a “uma floresta de muito valor”

“A gestão da pequena propriedade é inviável”. É esta a conclusão a que chegou Luís Sarabando, coordenador da Associação Florestal do Baixo Vouga (AFBV), depois de mais de 20 anos de intensa atividade associativa. Na região que bem conhece, formada pelos 11 municípios da comunidade intermunicipal da região de Aveiro, sair da esfera individual de gestão, unindo as pessoas numa gestão agrupada da floresta, tem sido uma condição sine qua non para criar “uma floresta de muito valor”, revela este engenheiro florestal ao Florestas.pt.

Hoje, a associação está a executar mais de 2 mil hectares de gestão por ano, com investimentos que rondam os 2,5 milhões de euros anuais, uma realidade que não seria viável sem um profundo conhecimento sobre o território e as suas comunidades, mas também se não tivessem adotado novos modelos de gestão. Porque o mais importante, afiança Luís Sarabando, é garantir que as manchas de floresta dos seus mais de 1600 associados – donos de cerca de 20 mil hectares (25% da floresta da região) – são bem geridas.

Como? Os esforços de cooperação dos proprietários florestais têm sido conseguidos através de projetos coletivos de exploração florestal, de que são exemplo as Áreas Florestais Agrupadas (AFA). Este é um instrumento para ganhar escala, diminuir os riscos associados à atividade, ter acesso a seguros, cumprir a legislação, aplicar boas práticas silvícolas e, entre outros benefícios, alcançar ganhos de produtividade.

Segundo o coordenador, este modelo de gestão agrupada permite poupar cerca de 20% nos custos dos trabalhos florestais e tem permitido um incremento da produtividade superior a 60%. O modelo, que está a ser replicado pela associação em cinco locais, não é complicado: os proprietários participam no investimento e na receita com percentagens proporcionais à área da sua parcela.

As organizações de produtores florestais são um elemento central para promover a gestão florestal sustentável. Atualmente, encontram-se registadas no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas 150 organizações, que desempenham um vasto leque de funções, que vão desde o aconselhamento ao apoio aos proprietários e produtores florestais à criação e gestão de áreas florestais agrupadas.

O primeiro projeto coletivo de exploração florestal desenvolvido pela AFBV remonta a 2018. Teve início em Castanheira do Vouga, uma pequena freguesia do concelho de Águeda, quando se conseguiu que um conjunto de proprietários “esquecessem” as estremas das suas propriedades e as “juntassem” num projeto de gestão agrupada. Foi assim que tudo começou, com 12 proprietários, uma mancha de floresta de 15 parcelas e um total de 11 hectares.

O eucaliptal abandonado que por ali existia deu origem a um território 100% sob gestão, 85% do qual com “eucalipto muito bem gerido” e os restantes 15% reservados à proteção de linhas de água, conta Luís Sarabando. O eucaliptal permite gerar retorno para os proprietários e financiar a proteção dos aquíferos, num exemplo que evidencia como as florestas plantadas apoiam a necessidade crescente de bens e serviços do ecossistema.

Depois da estreia, na AFA da Panasqueira, o conceito foi replicado nas AFA da Pedricosa (Vagos), Furil e Vale Figueiras (Albergaria-a-Velha). Este último projeto foi interrompido devido à pandemia por Covid-19, mas será retomado em breve.

No início de 2022, numa área com 462 hectares, em Águeda, está a nascer o núcleo de gestão florestal Beco-Salgueiro, um projeto-piloto que quer contrariar os sinais de abandono naquela área. “Em 3 anos, queremos fazer a gestão de 90% deste território”. A ideia é, mais uma vez, ultrapassar as dificuldades do minifúndio, com acesso a financiamento para custear a gestão florestal e avançar com os planos de intervenção que ajudam os proprietários a valorizar as suas terras.

As expectativas apontam para mais um projeto capaz de mostrar como, em conjunto, se ganha a escala necessária para planear, organizar e operacionalizar a gestão das manchas florestais em minifúndio, mantendo os marcos que delimitam a propriedade. O que se consegue com este tipo de projetos? Para Luís Sarabando, a resposta é óbvia: “Poupança nos custos e redução do risco de incêndio, porque a propriedade passa a ser gerível e defensável”.

Terrenos comunitários também beneficiam de gestão agrupada

Não são apenas os terrenos privados que podem beneficiar de soluções de gestão agrupada, que estão também a ser implementadas nos baldios.

Propriedades de cariz comunitário, os baldios representam atualmente cerca de 500 mil hectares (5,7% da área territorial continental), localizados sobretudo no Norte e Centro e considerados essenciais para contrariar o êxodo rural e a desertificação, em especial nas zonas serranas.

Embora o conceito de baldio tenha evoluído ao longo do tempo, tem sido nestes terrenos, propriedade e alvo de gestão pelas comunidades locais, que, desde há séculos, os compartes plantam, pastoreiam, pescam, colhem e se abastecem de lenhas. Nos últimos anos, a gestão destes territórios, que outrora serviram de complemento a atividades económicas e a sistemas agrários locais de pendor silvopastoril, tem vindo a evoluir para uma gestão comunitária baseada nos seus recursos endógenos, desde o aproveitamento das energias renováveis e das águas minerais à madeira, resina ou turismo de natureza.

A importância deste património não deixa dúvidas a Armando Carvalho, presidente da direção da Baladi – Federação Nacional de Baldios, que, ao longo dos últimos 46 anos, tem estado na linha da frente da defesa destes terrenos comunitários, certo das mais-valias destes terrenos para criar riqueza, emprego, melhores condições de vida para as suas comunidades, mas também um melhor ordenamento deste património comunitário e uma floresta resiliente, biodiversa e multifuncional.

Defende, por isso, formas de gestão mais eficazes e profissionalizadas para os baldios, acompanhadas dos investimentos necessários para contrariar uma escassez de meios e de escala que, por vezes, limita qualquer iniciativa: “Se quisermos criar um posto de trabalho, por exemplo uma vaga para um engenheiro florestal, precisamos de ter no mínimo 2500 hectares”, exemplifica.

Um maior dinamismo e escala na gestão destes territórios estão a ser conseguidos através da criação de agrupamentos de baldios, importantes para criar sustentabilidade social, económica e ambiental nos espaços comunitários e relevantes também na hora de obter financiamento ou de melhorar a informação de gestão disponível, explica Armando Carvalho.

O maior agrupamento de baldios sob a esfera da Baladi tem 12 mil hectares – o de Estrela Norte, no concelho da Guarda. Este é um dos 10 agrupamentos dos distritos de Braga, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Porto e Vila Real, resultantes do protocolo assinado entre a Baladi e o Governo português para criar escala e/ou complementaridade de recursos para valorização de terrenos baldios.

Meia centena de baldios, em 10 agrupamentos, significam uma intervenção estruturada numa área de 60 mil hectares, que valoriza e torna mais resilientes estes territórios comunitários. Para o presidente da direção da Baladi – Federação Nacional de Baldios – os resultados demonstram que este é um caminho a prosseguir.

Ao todo, são mais de 50 os baldios integrados nestes agrupamentos. Numa altura em que se caminha para o terceiro ano do projeto, os resultados apurados, até ao momento, são “bastante animadores”, garante Armando Carvalho, para quem este é um exemplo do caminho a seguir para apoiar a gestão das áreas comunitárias”, quer a nível florestal quer a nível da economia social.

A gestão conjunta tem passado pelo aproveitamento da regeneração natural, mas também por arborizações, controlo de espécies invasoras, gestão de combustíveis e, entre outros exemplos, abertura e beneficiação de caminhos e aceiros. Estas e outras intervenções podem crescer no futuro, já que o trabalho técnico desenvolvido, até ao momento, pelos 10 Agrupamentos de Baldios já permitiu criar condições para preparar candidaturas para um volume de investimento da ordem dos 5 milhões de euros, no âmbito do programa de Assistência de Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa – REACT-EU.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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