Gestão da água na UE: Uma questão de direito, mas também de segurança (I) | Por Hélder Sousa Silva

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Após décadas em que o acesso à água potável era entendido como um dado adquirido em Portugal e na Europa, as circunstâncias alteraram-se, afetando os cidadãos, as empresas e o ambiente.

Os eventos meteorológicos extremos estão a aumentar em frequência e gravidade, trazendo consequências sociais, económicas e ambientais bem como impactando a saúde dos europeus. Estes fenómenos podem prejudicar a coesão económica, social e territorial da União Europeia (UE) bem como tornar-se ponto de conflito a nível mundial.

Face às transformações e aos efeitos das alterações climáticas que têm vindo a modificar os padrões e os índices de pluviosidade, tornar a gestão da água mais resiliente é uma questão de segurança e, também, de efetiva preparação e resposta a situações de crise. Mais do que uma necessidade básica, a água é um recurso crítico, pois sem ela não há vida. A sustentabilidade ambiental, a prosperidade económica, a segurança alimentar e energética e a salvaguarda da qualidade de vida dos europeus dependem de um abastecimento estável de água e com qualidade.

Neste sentido, reveste-se de particular relevância não apenas a captação e o armazenamento dos recursos hídricos, mas também o seu transporte, tratamento e distribuição. Os eventos de seca que ocorreram tanto em 2024 como em 2025, sobretudo nos países do Sul da Europa e da bacia do Mar Mediterrâneo, evidenciaram, igualmente, a situação preocupante em que se encontram as redes de distribuição de água em vários Estados-Membros da UE, com infraestruturas envelhecidas, desadequadas às atuais circunstâncias, e com elevados índices de perda. Por outro lado, os Estados-Membros do Centro e Norte da Europa têm sido assolados pelo fenómeno inverso, em que o stress hídrico resulta não da falta de água, mas do seu excesso, com fenómenos de elevada precipitação muito concentrada que originaram diversas cheias.

Visando dar resposta à crescente necessidade de mudar de paradigma, a Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica coloca, de forma decisiva, o tema da água no topo da agenda, analisando a questão nas suas múltiplas valências, de forma integrada e propondo um caminho a percorrer.

Os objetivos são claros: restaurar e proteger o ciclo da água como base para um abastecimento de água sustentável; construir uma economia inteligente no domínio da água em conjunto com os cidadãos e com os agentes económicos de forma a apoiar a competitividade da UE, a atrair investidores e a promover uma indústria da água próspera na UE; garantir água limpa e saneamento a preços acessíveis para todos e capacitar os cidadãos para a resiliência hídrica.

Para garantir a preservação deste recurso vital, em primeiro lugar, é fundamental restaurar e proteger o ciclo da água que, de forma natural, armazena, purifica e liberta a água. É necessário recuperar a qualidade e a quantidade disponível deste recurso, não apenas à superfície, mas também encontrar formas de melhorar a capacidade de absorção e de retenção no seu percurso até ao mar, de modo a reabastecer, de forma natural, as reservas no subsolo e combatendo focos de poluentes.

Por outro lado, os cidadãos e muitos sectores económicos necessitam de um abastecimento estável de água e têm, frequentemente, necessidades sazonais, pelo que o armazenamento de água em reservatórios e outras estruturas artificiais exige uma atenção especial e um planeamento e coordenação cuidadosos. A proposta da Comissão Europeia para a gestão da água dá prioridade a soluções baseadas na natureza, mas também prevê o recurso a estruturas artificiais ou a uma combinação de ambas, salientando a necessária avaliação do impacto que estes empreendimentos possam ter no ciclo da água. O foco é uma estratégia integrada e sustentável de gestão dos recursos hídricos.

A futura prosperidade e competitividade da economia europeia está dependente da capacidade de gerir e usar eficazmente este recurso finito. Assim, torna-se necessário reduzir consumos, dado o crescimento da procura, em resultado da transição digital, melhorar as redes de distribuição, aumentando a sua eficiência, e promover a digitalização, garantindo uma gestão inteligente. Dada a sua finitude, a água não pode ser desperdiçada, devendo promover-se a diferenciação de usos e aumentando a reutilização de água residual tratada para outros fins, nomeadamente na agricultura, na produção de energia e em processos industriais, como os sistemas de refrigeração.

O acesso a água potável é um direito universal, pelo que a Estratégia Europeia de Resiliência Hídrica tem de colocar os cidadãos europeus no centro. Cumpre garantir o acesso equitativo e financeiramente comportável a água potável e a saneamento para todos os europeus, independentemente da região em que residem, bem como promover a sua capacitação e literacia sobre a questão. Os consumidores desempenham um papel essencial no incremento da resiliência hídrica, dado que os seus comportamentos, hábitos e consumos têm um elevado impacto. Só uma sociedade verdadeiramente capacitada será resiliente e capaz de responder a desafios imprevistos.

De forma a alcançar estes objetivos, a estratégia elenca cinco áreas de intervenção: governação e implementação para impulsionar a mudança; finanças, investimentos e infraestruturas para conseguir um abastecimento estável; digitalização e inteligência artificial para acelerar e simplificar a boa gestão da água; reforçar a competitividade através da investigação e inovação, promovendo a indústria da água e as competências; segurança e preparação e prevenção para aumentar a resiliência coletiva.

(Conclusão do artigo na próxima edição)

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