As grandes multinacionais do setor agroalimentar e de bens de consumo decidiram fazer ouvir a sua voz em Bruxelas, a propósito da proposta de adiamento da legislação sobre desflorestação. Numa carta conjunta enviada à comissária europeia Jessika Roswall, empresas como a Nestlé, Mars Wrigley, Ferrero, Olam Agri ou Rainforest Alliance apelam à Comissão Europeia para que não volte a adiar a entrada em vigor da Regulamentação Europeia contra a Desflorestação (EUDR), um diploma que pretende impedir a entrada no mercado europeu de produtos associados à destruição de florestas.
A carta surge após a proposta de um novo adiamento de um ano, anunciada em setembro por Jessika Roswall, devido a preocupações técnicas com os sistemas informáticos que vão ser usados para a rastreabilidade e verificação exigidos pela lei. Se for aprovada, esta prorrogação pode empurrar a aplicação da EUDR para o final de 2026, cerca de dois anos depois do prazo inicialmente previsto, em dezembro de 2024.
As empresas signatárias sublinham que a decisão colocaria em causa os esforços de combate à desflorestação e minaria a confiança na política ambiental europeia. “Um novo atraso coloca em risco a preservação das florestas em todo o mundo, acelerará os impactos das alterações climáticas e minará a confiança nos compromissos regulatórios da Europa”, afirmam no documento.
Estas organizações defendem que “os requisitos de diligência devida e de rastreabilidade são aspetos fundamentais” para uma prática empresarial responsável, que assegure uma “gestão eficaz dos riscos e dos impactos ambientais negativos”.
Em causa estão, segundo o grupo, investimentos significativos já concretizados pelas empresas e parceiros nas cadeias de valor para o cumprimento das regras. Um adiamento “introduziria incerteza, desmotivaria os agentes da cadeia de valor e aumentaria os custos de conformidade”, apontam.
“Lamentamos profundamente que uma questão técnica de TI possa pôr em causa os objetivos centrais da EUDR e a sua entrada em vigor, a três meses do prazo de implementação para as empresas”, lê-se no texto.
Em alternativa ao adiamento, propõem medidas práticas, nomeadamente que as limitações dos sistemas informáticos sejam reconhecidas como força maior para efeitos de cumprimento e fiscalização, que seja criada uma moratória curta com suspensão de coimas durante o período de ajuste e que a Comissão estabeleça um comité técnico para acompanhar a implementação.
O diploma foi apresentado pela Comissão Europeia em novembro de 2021, com o objetivo de banir do mercado da União Europeia produtos ligados à desflorestação e à degradação florestal. Abrange matérias-primas como óleo de palma, carne bovina, madeira, café, cacau, borracha e soja, assim como produtos derivados.
De acordo com as regras, as empresas que pretendam importar ou exportar esses produtos têm de provar que não provêm de áreas desflorestadas após 2020 e que cumprem todas as leis aplicáveis no país de origem. Para isso, será necessário assegurar a rastreabilidade total até à parcela de terreno onde as matérias-primas foram produzidas.
Entre os signatários da carta contam-se organizações como a Alliance for the Preservation of Forests, a Fair Trade Advocacy Office, a Rainforest Alliance e a VOICE Network, além de empresas líderes nos setores agroalimentar, madeireiro e do comércio justo.